JustIn Monday - "MUITAS VENDAS E MUITO TRABALHO"




"MUITAS VENDAS E MUITO TRABALHO"
Sobre o significado do keynesianismo, a propósito do livro de Paul Krugman Acabem com esta Crise Já!


O livro de Paul Krugman Acabem com esta Crise Já! [original: End This Depression Now!, 2012] está concebido como um escrito de divulgação científica popular de inspiração keynesiana, em polémica contra o padrão, muito semelhante em todo o mundo, de resposta ao colapso do mercado financeiro iminente desde 2008, e contra as consequências que provoca a sua repetida prevenção. E assim se lê também. Ele combate principalmente a ideia de que é preciso poupar na crise. "‘Os peritos altamente respeitáveis’, como alguns os chamam sarcasticamente, deitaram ao lixo um conhecimento decisivo de Keynes: ‘É na retoma e não a crise o momento certo para medidas de austeridade’. Hoje, os governos precisam de gastar mais dinheiro e não menos, e até que o sector privado seja capaz de promover novamente a retoma. Em vez disso, programas de austeridade destruidores de postos de trabalho estão a ser considerados a resposta para tudo ultimamente." É assim que logo o texto de badana se atira ao assunto e assim vai continuar de seguida.

Seria um erro tomar os assuntos debatidos no livro como ponto de partida para a discussão da ideia de que o ajustamento keynesiano na crise do New Deal poderia ser repetido. Ou mesmo da questão subsidiária de saber se a crise económica mundial de 1929 e anos seguintes foi de facto ultrapassada, como se diz na historiografia orientada pela ciência económica. Isso não se pode conseguir com base neste livro, pois no essencial Krugman simplesmente afirma a repetição. Em vez de dedução teórica, há em muitas passagens auto-evidências, coisas plausíveis adequadas para talk shows, evasivas do género isto-levar-nos-ia-muito-longe-e-é-muito-muito-complexo e exemplos de filmes. Para uma discussão fundamental é simplesmente muito pouco.

Mas ainda não é tudo, porque a imagem que dão os "peritos altamente respeitáveis" desde o crash aponta de facto no sentido de duvidar que a economia como disciplina seja sequer capaz de registar que as questões económicas podem ser teorizadas. As auto-evidências revelam-se sucessivamente como banalidades e as tentativas de plausibilização resvalam constantemente para a mitologia. No caso de Krugman não será bem assim, pois seria de esperar que ele desenvolvesse uma argumentação fundamentando o seu ponto de vista, se este fosse sustentável. Não tanto por ser professor de economics and international affairs em Princeton, colunista do New York Times e laureado com o Prémio Nobel da Economia em 2008. Títulos, empregos e prémios como estes na Alemanha significam antes excelentes habilidades na produção e reprodução da estupidez dominante. E também nos EUA a probabilidade desta não é propriamente pequena. Pois o absurdo produz-se porque na normalidade capitalista o capital acumula-se nas costas dos agentes e sem intervenção dos economistas. A partir daqui, a coerção material que resulta de valor, Estado autoritário e ordenamento familiar heterossexual é identificada com a crença de que as ideias político-económicas da mais cega execução das leis do mercado também correspondem à realidade.

Abona a favor de Krugman o facto de ele contradizer o absurdo ligado a isto, ainda que apenas parcialmente, mas de modo muito agressivo em pontos-chave. E é assim justamente no momento em que estupidez e constrangimento material já não formam um casal perfeito. Krugman tem a capacidade na crise de capturar na auto-evidência da superfície a objectualidade do valor, que ele coloca em oposição com a política de austeridade vigente. Muitos dos seus frequentemente repetidos apelos a gastar dinheiro vivem de ele brincar conscientemente com o facto, que realmente não conceptualiza, de serem defendidas publicamente pelos seus colegas de profissão opiniões e medidas contrárias a qualquer racionalidade no plano social global. As explicações para isso não estão entre os pontos fortes da sua exposição, em última análise são meramente subjectivas e enfatizam "o interesse dos ricos", mas pelo menos o ponto de partida das suas reflexões continua perto das relações económicas realmente existentes. Seu credo é: "As suas despesas são as minhas receitas e as minhas despesas são as suas receitas." (p. 41) Portanto: Quando todos poupam, no fim ficam todos pobres. Uma visão simples, que coincide com a experiência quotidiana igualmente simples na troca de mercadorias e que sem surpresa leva à conclusão de que a riqueza capitalista burguesa é movimento constante e não património susceptível de ser fixado em dinheiro, que se conseguiria conservando-o ou poupando-o.

Directamente relacionada com esta visão está a insistência de Krugman em que numa economia marcada pelo investimento de capital todos se relacionam permanentemente, de modo que a teoria económica envolve paradoxos: "Ganhamos menos, só porque gastamos muito pouco, e se gastarmos ainda menos ganharemos menos ainda. Temos um problema de dívida, no entanto não devemos esse dinheiro a ninguém de fora, mas apenas a nós próprios, e isso faz uma diferença enorme." (p. 65) Se os talk shows, comentários de jornais e artigos de economia na Alemanha fossem cortados de todos os pensamentos que não levam em conta a necessidade aqui expressa da permanente mudança da forma do valor por meio da troca de mercadorias, reinaria calma na turma e seriam impressas páginas em branco. A opinião pública alemã reage de forma expressamente alérgica à construção não-nacional e decididamente abstracta de um "nós" universal, assim arranjado não com ressentimento mas com plena consciência, de tal modo que nenhum sujeito individual consegue nem sequer deve corresponder à universalidade assim expressa. Aqui na Alemanha é demasiado dominante a necessidade de uma “corda”, em que "nós" agora teríamos todos de "puxar em conjunto", e a propensão para denunciar daqueles que supostamente perturbam. Por isso também não pode ser tido em conta o seguinte argumento contra os cortes salariais como medida para reduzir a dívida: "Pode ser que um trabalhador tenha melhor oportunidade de encontrar trabalho se aceitar um salário mais baixo [...]. Mas, se todos ganharem menos, muda apenas uma coisa: todos ganham menos, mas as dívidas continuam as mesmas. A flexibilização de salários (e preços), portanto, só piora a situação." (p. 67) O conhecimento de que o contexto económico global não é a soma das acções de cada um individualmente, ponto de partida de qualquer teoria social digna desse nome, em Krugman não é enterrado sob frases nacionalistas, que reunificam todas as contradições sociais.

É verdade que a teoria económica no seu conjunto não pode consistir na reprodução dessas superficialidades, mas a memória das formas de manifestação à superfície é o pré-requisito para se poder aduzir algo de reflexão teórica. Assim o keynesianismo é a corrente da economia política burguesa que pode reivindicar para si pelo menos não ficar completamente perdida quando se trata da crise. O apelo a esquecer a crise que consta do título, portanto, não é motivado principalmente pela incapacidade de reconhecer um estado de crise. Pelo contrário, a argumentação é a inversa: "A causa [da crise, jm] é relativamente trivial e a crise poderia ser resolvida de forma relativamente fácil se um número suficiente de pessoas nas alavancas do poder compreendesse a situação." (p. 35) Ou: "Não foram as realidades económicas que impediram medidas eficazes [desde 2008, jm], mas a confusão política e intelectual." (p. 147 sg.) Aqui os sintomas da crise já não são negados, apenas a amplitude da causa é menosprezada, pois as formas em que o próprio Krugman toma consciência da crise são claramente diferenciadas das dos fanáticos da poupança. De qualquer modo, o título em alemão já soa como uma concessão à negação dos sintomas da crise predominante neste país [O título em alemão diz literalmente: “Esqueçam a crise!” – N. T.]. O original em Inglês é "End This Depression Now! [Acabem com esta Crise Já!]".

Krugman consegue pois perfeitamente constatar o próprio estado de crise, ainda que também apenas superficial e secundariamente, como incapacidade de acção de facto sentada das instituições que regulam o estado de acumulação com sucesso do mecanismo económico. A situação que importa compreender é por ele designada como a chamada "armadilha da liquidez": "Ela ocorre quando a descida da taxa de juro para zero por cento já não é suficiente, inundando o banco central a economia com dinheiro, de tal maneira que não custa nada manter tudo na mesma com base nesse dinheiro, continuando a procura fraca." (p. 47) Ele interpreta esta situação – a taxa de juro da Reserva Federal dos EUA é de 0,25% desde o final de 2008 e, de acordo com decisões recentes, vai permanecer assim até ao final de 2014 – como uma indicação de que é preciso passar das medidas de política monetária, que chegaram ao fim, para programas públicos de estímulo económico. "Quando a economia enfraquece, o banco emissor aumenta a emissão monetária. Isso tem funcionado sempre até agora. [...] Desta vez, no entanto, a receita falhou." (p. 44)

A partir deste diagnóstico também se pode entender porque salienta ele repetidamente que a crise não tem causas estruturais. Pois com isto ele não quer dizer que tenham sido maquinações subjectivas a causar a crise – segundo ele estas apenas promovem as reacções erradas. A constatação de que a taxa de juro teria de cair abaixo de zero por cento para aumentar a procura de dinheiro assinala realmente um limite factual da política monetária, mas não uma política errada. Pelo contrário, onde ele pretende chegar é que os Estados, que devem realizar o programa de estímulo económico, pertencem necessariamente à estrutura do sistema e, assim, o sistema também fornece a solução. Esta teria sido no entanto esquecida pelos seus adversários políticos, que já consideram a política monetária do passado, ou seja, a intervenção do Estado, como o catalisador da crise e não apenas inconsequente, não apenas de curto alcance na prevenção da crise. Não é um agir especulativo, ganancioso, irresponsável, ou seja lá o que for que constitui o momento central para Krugman, mas sim a ausência de intervenção do Estado.

A pertença do Estado ao sistema é o que ele prova mais uma vez com a experiência da crise económica mundial: "O que experimentámos então [em 2009, em resposta à crise financeira, jm] distingue-se da crise económica mundial da década de 1930, porque naquela época ainda ninguém tinha entendido como a crise funcionava. Eram necessárias novas teorias revolucionárias para encontrar uma saída. Os anos de 1930 foram uma espécie de Idade da Pedra da economia, porque as ferramentas da civilização ainda não tinham sido inventadas. Mas em 2009 estes instrumentos estavam criados há muito tempo – e foram novamente atirados fora. Na corporação [da economia, jm] aprontou-se uma nova barbárie". (p. 108)

Esta é a pedra angular da argumentação de Acabem com esta Crise Já!, o que dá uma indicação inequívoca de que a teoria por trás da agressividade de Krugman poderá não ser tão convincentemente viável quanto ela se apresenta. Porque o que é absolutamente correcto de acordo com a teoria da história – por exemplo, que todos os conceitos básicos da teoria económica conjuntural provêm desse momento – também é uma revelação de filosofia da história. Pois, se tomarmos a sério estas afirmações, não pode ter havido capitalismo antes da década de 1930. Krugman reitera repetidamente que para ele não importa responder à questão "Como pôde a crise acontecer?", mas sim o que podemos "nós" fazer agora. Perante este pano de fundo histórico e filosófico, isto é mais do que estabelecimento de prioridades no seu tema, porque a situação é dramática e o tempo urge. A mudança de perspectiva também é devida à reconstrução tecnocrática da objectividade social que Krugman se prescreveu. "O homem de ciência conhece as coisas na medida em que as consegue fazer" diz-se sobre isso na Dialética do Esclarecimento, em referência à dominação da natureza. Logo na primeira secção da introdução, Krugman deixa claro que a teoria keynesiana pretende assumir exactamente essa relação instrumental também para as leis de natureza social da acumulação de capital: "As duas perguntas [como aconteceu e o que podemos fazer, jm] estão de facto ligadas, mas não são de modo algum idênticas. Se soubermos como aconteceu um ataque cardíaco, com isso não sabemos ainda como teremos de lidar com ele. Isto também se aplica às crises económicas." (p. 9) De facto, o coração com um pacemaker está sujeito a mais restrições por isso, mas tratar-se-á de “o coração” na sua forma geral, porque o sujeito do conhecimento por lei só pode reconhecer no objecto o que pôs nele. Exactamente assim, para Krugman o capitalismo é apenas aquele cujo colapso quase natural foi impedido e cuja essência é verdadeiramente "civilizadora" e não da Idade da Pedra. A questão de como a crise pode acontecer, portanto, permanece sem resposta não só por haver coisas mais importantes para esclarecer. Mais que isso, ela também não pode ter resposta porque a situação histórica na qual a acumulação ainda não tinha de ser impedida de entrar em colapso recuou para uma distância já não perceptível e, portanto, é irreal. Em última análise, a posição keynesiana, como Krugman a apresenta, significa a confissão de incompreensão total do que é que entrou em crise.

Mas tal posição não está nem esteve assim tão isolada historicamente, nem as diferenças são tão grandes como pretende a oposição política declarada com veemência por Krugman. A afirmação de que as leis económicas são incognoscíveis em si mesmas, pelo contrário, é uma daquelas posições comuns que liga entre si as duas ou três correntes político-económicas que historicamente estiveram envolvidas com a "criação" de "instrumentos" de superação da crise. Estas são, além do keynesianismo, o neoliberalismo e a mitologia nacionalista. A última apenas conta, naturalmente, na medida em que possa ser considerada como uma posição económica, e não deva ser interpretada como delírio anti-económico que também é. Assim, tal como os keynesianos consideram contrafactualmente que o capitalismo já foi sempre ajustado na crise, para os neoliberais ele já foi sempre de modo igualmente a-histórico a estrutura irracional da concorrência, que é o foco das suas teorias. A mitologia nacionalista, por sua vez, considerava simplesmente o Estado autoritário, logo no momento de sua formação, como garante da eternidade.

A linha keynesiana difere das outras duas apenas na medida em segundo ela o Estado devia permitir a continuação das relações económicas não pela negação, mas pelo reconhecimento da sua estrutura superficial. Mas a barbárie, se essa expressão deve ser usada para o resultado da dialéctica do esclarecimento, não surgiu para além do poder do Estado, mas no decorrer do desenvolvimento daquele poder soberano que conseguiu aplicar os instrumentos que segundo Krugman teriam conduzido para fora da "Idade da Pedra da economia". A este respeito, o keynesianismo pela sua parte e o próprio Keynes definitivamente não tiveram receio de ir a qualquer lado. Embora Keynes tenha exemplificado e explicado a sua "general theorie" principalmente no que diz respeito às condições nos países anglo-saxónicos, "poderia ser muito mais fácil adaptar a teoria da produção como um todo, que é o propósito deste livro, às condições de um Estado total do que à teoria da produção e distribuição de uma dada produção, criada sob as condições de livre concorrência e em grande medida de laissez-faire." Esta passagem frequentemente citada do prefácio à primeira edição alemã saída em1936 da Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda (GT), não constitui de facto a prova de que Keynes deva ser considerado um economista fascista que aqui se oferece como especialista à Alemanha nacional-socialista. Mas é sem dúvida a prova de que a sua teoria, em termos de filosofia da história, está sob a égide do Estado autoritário. Não por acaso o exemplo central de Krugman de que as políticas económicas favorecidas por ele já funcionaram uma vez é a produção de armamento nos EUA na II Guerra Mundial. O que se pode facilmente inferir daqui é que a economia de guerra alemã, tendo sido realmente operada num estado de espírito diferente, produziu no entanto os mesmos resultados económicos.

Com isto em mente, o discurso de Krugman ecoa uma vez mais assustadoramente à Idade da Pedra pré-civilização da economia, se formulado por keynesianos alemães de esquerda. No livro de Stephanie Blankenburg e Herbert Schui Neoliberalismus: Theorie Gegner Praxis [Neoliberalismo: Teoria, Opositores, Práxis], diz-se, por exemplo: "Pois afinal de contas na política de reforma, que começou na década de 1930, foi feita a experiência de que não se deve confiar no mercado nos maus momentos, mas que a situação pode ser remediada através de intervenções e planos direccionados. Este foi um pedaço de esclarecimento posto em prática, foi uma tentativa de acabar com a imaturidade em assuntos económicos." (p. 68) Bem que precisa de escrever de forma assim vaga quem vê o desenvolvimento dos primórdios da civilização na década de 1930. E se mesmo na esquerda se fala assim, na dúvida surge então o desejo de que a humanidade nunca tivesse saído da Idade da Pedra e que os alemães tivessem dado uma sova a si mesmos à mocada, segundo o velho costume germânico. Blankenburg e Schui nem sequer mencionam a existência do anti-liberalismo nacionalista agitado contra a aparência da autonomia do mercado nem do anti-semitismo aniquilador que lhe está inseparavelmente ligado. Por isso, e porque eles também não explicam onde, do seu ponto de vista, se impôs uma "experiência" de "reformistas" contra a mediação do mercado sem que a "imaturidade em assuntos económicos" tivesse sido transformada em submissão ao Estado, eles revelam que a filosofia keynesiana da história ainda hoje implica indiferença perante o Estado autoritário, a qual se pode inclinar para a afirmação a qualquer momento.

A diferença entre Blankenburg/Schui e Krugman não está principalmente no facto de que a um economista americano se pode desculpar que negligencie a especificidade europeia e/ou alemã, mas não a cientistas sociais alemães. Por outro lado, a intervenção de Krugman tem uma pretensão demasiado abrangente e a sua inveja do modelo do suposto Estado social europeu, que assoma repetidamente nas entrelinhas, resulta da mesma ignorância das formas sociais autoritárias que faz o capitalismo liberal do século XIX parecer a Idade da Pedra.

A diferença – e aqui a coisa é politicamente interessante – está, sim, em que pessoas como Krugman não defendem a substituição dos mecanismos de mercado pelo planeamento do Estado. Por isso em escritos como os de Krugman pode-se pelo menos aprender o que fez o keynesianismo de historicamente eficaz. Na recepção keynesiana de esquerda dessas posições, a "teoria da produção como um todo" é mal interpretada como tomada de partido não marxista na luta de classes, orientada para a redistribuição imediata da riqueza. Não por acaso a forma actual do keynesianismo de esquerda é produto de ex-marxistas que não foram suficientemente oportunistas para desertar com bandeiras desfraldadas depois de 1989, mas por outro lado também já não foram capazes de distinguir se agora a "alternativa socialista" era a RDA ou a sua visão distorcida da "economia social de mercado". Como teoria não-marxista da luta de classes, porém, o keynesianismo não faz sequer o sentido limitado que ele faz como forma de articulação da necessidade social global na crise. É verdade que Krugman também deseja a distribuição da riqueza, de modo que ninguém tenha de ficar involuntariamente pobre ou desempregado. Mas segundo ele a via para isso está na expansão da produção e da circulação do dinheiro a ela associada, que ambas faltam na crise. A "economia americana", explica ele, continua "hoje sete por cento abaixo do seu potencial. Por outras palavras, produzimos hoje menos um bilião de dólares por ano em valores do que devíamos e podíamos. [...] E essas perdas não existem só no papel [...]. Trata-se de produtos valiosos que poderiam ter sido produzidos, mas não foram produzidos, ou de salários e lucros que podiam e deviam ter sido obtidos, mas não foram obtidos." (p. 25)

Note-se: nesta perspectiva faltam salários e lucros na crise. O antagonismo das classes e a diferença essencial entre as fontes de rendimento do trabalho e do capital aqui não só devem fundamentalmente permanecer, mas também devem ser levados para lá da crise sem modificação. Se estes produtos no valor de um bilião de dólares estivessem disponíveis para distribuição, esta a mensagem, a distribuição do valor da restante riqueza já distribuída permaneceria estável. Ou, com plausibilidade científica popular: "Todos nós sabemos que um carro no valor de 30.000 euros pode ficar parado porque a bateria no valor de 100 euros não funciona. Com a sua analogia Keynes queria deixar claro que uma crise económica pode ter subjacente uma disparidade semelhante de causa e efeito." (p. 35) Aqui fica claro que o keynesianismo só faz sentido se não for lido como uma contribuição para a teoria crítica social. Ele torna-se irreal e assim também tendencialmente reacionário no momento em que os seus representantes pensam poder expressar com ele o seu ponto de vista particular na luta de classes como sendo o interesse geral da sociedade. Onde Krugman escreve sobre a bênção do crédito para a economia e sobre os efeitos da inflação no ajustamento da crise, lamentam estes um sistema no qual uns lucram à custa dos salários dos outros mesmo na crise – em vez de registarem a falta de salários e de lucros.

Isso é certamente impossível considerando o todo, ou só leva a aprofundar mais a crise se for tentado. É precisamente aqui que nasce a polémica de Krugman contra a política de austeridade. O ponto de vista de que "as suas despesas são as minhas receitas e as minhas despesas são as suas receitas" já inclui também "a sua receita de juros é o custo do meu investimento" e "os seus investimentos são o meu salário", e assim, do ponto de vista oposto, "os seus salários novamente gastos são as minhas receitas", bem como "e porque as suas despesas são as minhas receitas, também houve muitas vendas e muito trabalho." (p. 43) Uma formulação com que Krugmann descreve a bênção dos empréstimos hipotecários, que ficaram sem valor em 2007, e com a qual ele passa à afirmação de que o problema no momento foi uma política que não permitiu que prosseguisse o consumo continuado a crédito.

Salários e lucros são diferentes fontes de receita de uma e mesma forma de movimento da riqueza que o trabalho modifica. E esta forma e a correspondente relação social têm de existir em primeiro lugar, antes que o seu conteúdo deixe de ser distribuído de forma desigual, pelo contrário – de acordo com as relações de propriedade – ele é desigualmente distribuído. Os keynesianos consequentes e portanto também Krugman conseguem manter o seu ponto de vista na medida em que não se embrenham na confusão dessas relações por nenhum dos lados e enfatizam que a circulação do dinheiro não deve ser parada se não quisermos agravar a crise. Eles conseguem distinguir entre o dentro e o fora, entre compras e vendas em saldo, porque estão de acordo. Está tudo bem, mãe!

Mas assim eles também descrevem involuntariamente o capitalismo como um empreendimento fundamentalmente absurdo. A loucura dos paradoxos superficiais pode ser facilmente transferida para a própria produção e, consequentemente, para o trabalho. Embora Krugman não faça isso, já o núcleo da argumentação do próprio Keynes implica tal possibilidade. Característica dela é, por exemplo, a posição central que mantém o conceito de "procura efectiva" no centro da sua exposição. Mesmo Keynes já tinha tido de se impor contra fantasias de poupança semelhantes, e fê-lo, tal como Krugman, referindo o facto de que as reduções salariais a partir de perspectivas individuais significam algo diferente do que a partir da perspectiva da necessidade geral. Apenas com a indicação ainda mais explícita de que uma "política salarial rígida" também é do interesse geral do lucro: "Talvez ajude a rejeitar a grande conclusão de que uma redução da massa salarial aumenta o emprego, ‘uma vez que reduz os custos de produção’, se seguirmos o curso dos acontecimentos de acordo com a hipótese mais favorável a esta visão, ou seja, que os empresários esperam desde o início que a redução da massa salarial tenha esse efeito. Não é realmente improvável que o empresário individual, uma vez que vê a sua própria despesa reduzida, de início não veja o efeito sobre a procura dos seus produtos e aja na suposição de que poderia vender com lucro uma produção maior do que a anterior. Mas poderão os empresários realmente aumentar os seus lucros se agirem todos de acordo com essa expectativa?" (GT, p 220)

A resposta de Keynes a esta pergunta foi "Não". Depois do que foi dito não é surpresa, porque assim se reduz a "procura efectiva", que representa – formulada em categorias marxistas – a massa de valor realizável. Assim se admite implicitamente que o valor não só é transmitido pelo trabalho, mas também torna este supérfluo numa perspectiva histórica. Pois, vista sob o aspecto do tempo, resulta aqui a contradição de que esta massa de valor existe não só nos meios de produção – o que acontece no que diz respeito à realização futura – mas também – no que diz respeito à transformação da natureza – já. A sobreacumulação, cujos sintomas se mostram quando a "procura efectiva" não aparece, significa que o sujeito da dominação do valor tem de estar pronto a desvalorizar o trabalho já feito para manter o valor como relação de produção. Também se reconhece assim que no mundo do capital a procura em si não é, então, determinada pelas necessidades, mesmo já existindo os recursos materiais para isso bem como os meios de produção, mas toda a produção depende da capacidade decrescente de o capital explorar o trabalho. E aqui nem sequer importa se as necessidades já estão elas próprias subordinadas ao processo de produção e, portanto, obedecem aos esquemas da indústria cultural.

As implicações do conceito de "procura efectiva" marcam uma diferença enorme relativamente à economia política liberal, de acordo com a qual trabalho e valor devem constituir a mediação social adequada da necessária suplantação dos limites estabelecidos às necessidades humanas pela natureza não trabalhada. Mas, no momento em que a "procura efectiva" se tornou uma categoria adequada às circunstâncias, a fronteira da natureza é ultrapassada sem que as restrições devam cair. Responsável por estas é a ideia da eterna escassez dos rendimentos da dominação da natureza, pressuposto em geral tácito da política de austeridade, que portanto deve ser agravada pelo facto de os indivíduos e os Estados terem vivido acima das suas possibilidades.

Porque deverá ser mantido tal contexto social é uma questão que a fixação keynesiana às aparências superficiais da economia capitalista pelo menos não enterra completamente, especialmente quando assim se toma partido pelo capital como tal. Que os keynesianos se revelem como aqueles que dispõem de um aparelho categorial económico mais adequado à realidade capitalista superficial do que o da concorrência e, além disso, com a tentativa de o manter nessa realidade, desenhem um quadro cada vez mais absurdo do mundo, tal constitui uma indicação do fim de qualquer racionalidade económica. Uma situação que desde Keynes só continuou a avançar, porque a disponibilidade para depreciar o trabalho já feito – e, portanto, também a glorificação subjectiva do trabalho como um fim em si mesmo – já o sistema do Estado autoritário a exigia, e não apenas a actual crise. É evidente nesta dinâmica historicamente irreversível que o capitalismo tem um problema grave em manter a riqueza escassa através do trabalho. Se predominasse uma escassez verdadeira, se a distribuição de riqueza mediada pelo mercado e determinada pelo antagonismo das classes tivesse pelo menos uma racionalidade interna, as suas crises seriam crises de ajustamento do século XIX e a propriedade privada dos meios de produção teria entregado os indivíduos à exploração capitalista, em vez de os manter longe dela, estruturalmente desempregados. Aqueles que a partir da esquerda temperam o keynesianismo com frases de luta de classes disfarçam estas ideias, porque se retiram novamente da discussão da universalidade abstracta, através da qual se revela o absurdo da totalidade, e em vez disso culpam pela escassez de uns o lucro de outros.

Com isto no entanto eles não escamoteiam só que o capitalismo mudou desde que lhe foi implantado um pacemaker com o Estado autoritário. Também escamoteiam que esta constelação do capitalismo já pertence ao passado, porque ele tem vindo a cair cada vez mais em crise desde os anos de 1980. Mas assim o keynesianismo de esquerda também não tem qualquer critério para debater a questão da possibilidade de repetição da política keynesiana anti-crise. Pois essencialmente devia questionar como a actual dívida pública deve ser interpretada. Quem, como Krugman, afirma sempre a possibilidade da repetição teria que conseguir argumentar, em primeiro lugar, porque é que não se deve mostrar que a dívida pública, que na fase actual da crise surge como o cerne do problema, deve ser interpretada como o resultado de décadas de consumo público. Consumo público que já nem sequer esteve em posição de pelo menos adiar a crise. Que o capitalismo já na década de 1930 tenha tido problemas graves para manter a riqueza escassa através do trabalho também significa de facto que houve pelos vistos meios e vias para realizar essa loucura. Mas como também em sentido keynesiano o capitalismo já ajustado na crise continua sempre sujeito à dinâmica histórica que tornou o pacemaker necessário, importa questionar a nova constelação em vez de constatar a eternidade da velha.

A este respeito, provavelmente, também não seria de esperar de Krugman que ele abandonasse a exposição de ciência popular e, como Keynes, fosse teoricamente mais preciso. Pois, por um lado, atravessa-se-lhe no caminho o seu próprio programa, segundo o qual não se pode ir ao "porquê" da crise. Neste aspecto também lhe cai aos pés o facto de já o próprio Keynes ter desistoricizado a "procura efectiva" contra a dimensão histórica que inevitavelmente existe com a forma de valor de uso dos meios de produção. Ele conseguiu isso examinando apenas o lado do valor de troca, que se pode imaginar como soma para qualquer momento dado: "A quantidade de trabalho N que os empresários decidem empregar, depende da soma (D) de duas variáveis, ou seja, D1, a quantidade que a comunidade presumivelmente consumirá, e D2, a quantidade que se espera venha a ser utilizada para novos investimentos. D é o que chamámos acima procura efectiva.” (GT, p. 25)

Por outro lado, não há que esperar muito de Krugman aqui, porque também as suas sugestões sobre o que o Estado poderia procurar no contexto do programa de estímulo económico necessário ficam-se muito por monossílabos, em contraste com a sua polémica contra a política de austeridade. Aqui se torna importante o outro lado da redução desistoricizante da "procura efectiva" ao valor de troca. Porque "a comunidade", como se sabe, na realidade não consome uma "quantidade", mas valores de uso, e se Krugman quer aumentar D1, também terá que dizer o que o Estado deve procurar para que o aumento possa acontecer. Claro que ele percebe que perderia a base da sua própria teoria em favor da ideia neoliberal-nacionalista da luta contra a carestia, se defendesse que o Estado deve procurar qualquer disparate, principalmente trabalho. Até a sua prova histórica da eficácia dos programas públicos de estímulo económico, o orçamento militar dos Estados Unidos na II Guerra Mundial, ele não quer evidentemente emular de imediato. Mais ainda, apesar disso, não lhe ocorre no entanto que: "Uma análise dos efeitos da guerra, ou das corridas aos armamentos antes e depois da desmobilização, dá uma boa impressão dos efeitos do investimento público. Mas a questão só pode ser realmente respondida com base nas guerras? Se quisermos saber o impacto das despesas públicas adicionais, então, infelizmente, sim." (p. 264)

Esta constatação sombria na penúltima página de um livro que pretende ser optimista é significativa, porque a diferença histórica entre Keynes e Krugman é aquele tempo chamado "fordismo", em que a produção e distribuição da riqueza como um fim em si se desenvolveu não apenas como no século XIX, mas a própria riqueza entrou em conflito com os sujeitos que a produzem e consomem.

No centro do absurdo que o keynesianismo já não esboçou, nem mesmo involuntariamente, está o facto de o mundo se dividir entre aqueles que já nem se preocupam em desenvolver as necessidades numa relação razoável com seus recursos financeiros e a massa enorme de supérfluos que estão completamente excluídos da relação económica com o contexto social. No auge da política keynesiana os supérfluos ainda se concentravam na periferia do mercado mundial, mas o agravamento da crise nos últimos anos também intensificou esta tendência nas metrópoles.

Uma esquerda que a este respeito não conseguiu quase nada além de uma má crítica do consumo e dicotomias anti-imperialistas não deve ter razão para se sentir superior. Pois historicamente, ou seja, em relação ao desenvolvimento da dinâmica de crise, ela fica ainda mais para trás. Por isso os seus teóricos esboçam repetida e quase já compulsivamente como inimigo aquele liberalismo que deveria ter sido derrotado na "Idade da Pedra da economia", mas que hoje já não existe. Enquanto o keynesianismo apoiante do Estado, pelo menos nessa medida compreende contradições sociais reais e por isso susceptíveis de serem reflectidas criticamente, compreensão com que ele teve impacto histórico após a crise económica mundial, a esquerda histórica, até bem dentro da nova esquerda, tem intenções mais críticas para oferecer. Tudo somado, no entanto, ficam apenas consequências não digeridas da crise económica mundial de 1929 e anos seguintes e um conceito totalmente equivocado de fascismo com isso relacionado, perante o que as questões reais foram respondidas pela esquerda essencialmente com formação de sintomas anti-imperialistas, anti-sionistas e anti-americanos. Se Acabem com esta Crise Já! também não serve para levar a um debate sério sobre a possibilidade de repetição da política de procura keynesiana, no entanto a polémica é suficiente para se recordar o carácter geralmente perigoso saído da formação de sintomas da crítica ao neoliberalismo da esquerda corrente. Pois este é um substracto pobre sobre o qual prosperam o anti-imperialismo, o anti-sionismo e o anti-americanismo.

Para o efeito basta ter em mente as implicações da posição de Krugman relativamente à relação de forças política. A passada posição claramente não de crítica social do keynesianismo frente ao neoliberalismo foi logo depois de 1945 uma relação de concorrência académica simples, no âmbito da ordem do pós-guerra e das contradições e relações de forças aí construídas. Por isso Krugman pode hoje mesmo permitir-se transformar elementos da teoria neo-liberal e flertar com afirmações de Milton Friedman, para proceder contra a actual direita americana. A variante de luta de classes, no entanto, teve de estilizar a doutrina neoliberal como um demónio, justamente até ao momento em que deveria ter sido óbvio que o seu tempo chegou ao fim.

O neoliberalismo, que já foi a ideologia da "economia social de mercado" e assim aparecia também em qualquer história económica meio marxista, foi refantasiado durante os anos de 1990 como uma invenção americana. A adopção da fé anglo-saxónica no mercado prejudicaria as supostas bênçãos do chamado capitalismo renano. É justamente esta lenda que Krugman refuta, não no conteúdo – de facto ele não se ocupa com isso – mas pelo simples facto de haver geralmente nos Estados Unidos keynesianos/as politicamente importantes como ele. Ele está efectivamente numa posição minoritária, mas crê e sabe não completamente sem razão que está de acordo com parte do pessoal do Banco Mundial ou com conselheiros/as de Obama, e também explica que uma das razões para a ideia de poupança é que "muitas vezes [temos] necessidade de compreender a economia como uma fábula de moralidade, e gostamos de pensar que os tempos difíceis teriam de ser a punição necessária por excessos passados. Em 2010, a minha mulher e eu tivemos a oportunidade de ouvir um discurso do Ministro das Finanças alemão, Wolfgang Schäuble. A certa altura a minha mulher virou-se para mim e sussurrou: 'a saída então é cada um de nós pegar no chicote com que temos de nos castigar.’ Concede-se que Schäuble é mais propenso a sermões apocalípticos do que a maioria dos seus colegas, mas muitos compartilham os seus pontos de vista.” (p. 35) Com isto fica claro que o título alemão do livro, desviante do original, de facto funciona como uma concessão ao público local, mas não era essa a ideia de Krugman. O que ele quer fazer esquecer, em vez dos sintomas supostamente removíveis da crise, são os "sermões apocalípticos", vulgarmente conhecidos como fantasias alemãs de decadência, cujos pregadores em todo o lado cheiram a desgraça, quando o valor embate nos seus próprios limites.

É verdade que ele não se atreve a mencionar as implicações psico-sociais das formas económicas que se expressam em tais diferenças. No momento em que a coisa se torna pessoal, ele faz avançar a sua mulher – em conformidade com a forma fordista de separação patriarcal entre privado e público. Mas palavras claramente polarizadas como estas, a que ele não poupa nem os seus próprios compatriotas, nos EUA fazem parte de um verdadeiro conflito social, e os "liberais", de cujas fileiras esses ataques se originam e entre os quais também Krugman se conta, agem no caso mordaz e combativamente, de uma forma com que todas as alas do Linkspartei [Partido de Esquerda] provavelmente nem sequer sonham. Por isso os representantes deste já antes de terem uma responsabilidade nacional fedem, mesmo sem terem visto um único Ministério Federal por dentro. Os conflitos político-sociais aparentemente idênticos desenvolvem-se nos EUA em constelações completamente diferentes, razão pela qual Krugman – sem pestanejar – ordena as opções políticas no esquema esquerda-direita de uma maneira que produz um efeito estranho segundo os critérios europeus e sobretudo alemães. A tentativa fracassada de George W. Bush de privatizar a segurança social é por ele olhada como um exemplo de uma iniciativa da direita. Tão longe, tão aparentemente familiar, se não fosse a posterior caracterização de um projecto oposto de esquerda, com que ele simpatiza: "Um programa liberal comparável, por exemplo, a nacionalização do seguro de saúde, provavelmente sofreria um destino semelhante. [Isto é, também fracassar, jm]" (p. 251) Que uma nacionalização possa ser um programa liberal é neste país impensável. É uma especialidade alemã entender por liberalismo principalmente "darwinismo social" e, quanto ao princípio com ele relacionado da selecção, esperar o apoio do pacemaker do capital quando a mediação do mercado não o operar com a radicalidade desejada, porque no quadro desta funciona o critério humanista e não biologista-racista de que "as vossas despesas [...]” têm de ser “as minhas receitas e as minhas despesas [...] as vossas receitas". Mas é de facto aos liberais que ainda hoje se aplica esta frase: "A esfera da circulação ou da troca de mercadorias, em cujos limites se move a compra e venda da própria força de trabalho, era na verdade um verdadeiro Éden dos direitos inatos do homem. O que aqui reina é apenas liberdade, igualdade, propriedade e Bentham.” (MEW 23, p. 189)

É esta especificidade do anti-(neo)liberalismo local que se pode perceber por simples comparação no livro de Krugman. Apesar de todos os seus déficits. Esta não é uma questão secundária, porque com o conhecimento dessa diferença também se pode enquadrar em termos de história das ideias por que é que actualmente a política de crise alemã é a que visa implementar com mais força a ideia de austeridade como um constrangimento material nas instituições europeias. Os actuais ideólogos alemães, dificilmente afastados do populista, já não querem explorar ninguém, mas querem em compensação escravizar todos sem mais-valia, depois de terem sido derrubadas por todos as barreiras em que se movem a compra e a venda da força de trabalho. Este é o sentido da perda de consciência dos paradoxos da troca de mercadorias, incluindo essas barreiras. Na prática isso implica, por um lado, a tentativa anti-sindical de esconder que a mercadoria força de trabalho como sujeito do mercado negoceia o preço daquilo que é e, por outro lado, a ideia sindical de que se o salário real diminui sob as condições de crise, o bem-estar pode ser aumentado com a imaginação de não ser mercadoria, mas empregado. A distribuição da riqueza por toda a sociedade deve, então, depender da ideia corporativista de que o maior pedaço do bolo é obtido por aqueles em cujo poder os seus empregados conseguem manifestar maior confiança. À pergunta sobre quem eles são todos nomeiam não por acaso os seus próprios chefes. Os neoliberais distinguem-se aqui apenas na medida em que reparam que assim a "concorrência" não ficou pelo caminho. Esta última mantém-se naturalmente de qualquer modo porque apesar de todo o corporativismo as comunidades de destino assim criadas não deixam de agir umas contra as outras. Contra isto, aqueles/as keynesianos/as a favor dos/das quais também Krugman fala procuram manter os princípios liberais de exploração segundo os quais a defesa dos seus próprios interesses no conflito é da essência das coisas. Assim se defende em primeiro lugar um mundo em que, segundo uma famosa formulação de Marx, é o dinheiro e não o povo que constitui a comunidade real, e por outro lado também a consciência de que tudo se contém no capitalismo enquanto ele mantiver a sua marcha. Justamente porque eles, como solucionadores de crise, querem preservar ao capitalismo o seu passado acumulado, os pontos de vista deles revelam a loucura anti-liberal que corresponde ao presente do capitalismo.

Não é de surpreender que o acima exposto não possa justificar uma posição anti-capitalista, mas apenas o direito a reivindicar ser pago como trabalhador no nível geral de produtividade. Os críticos/as keynesianos/as de esquerda do neoliberalismo é que poderiam com certeza lembrar-se disso, quando têm em vista o mesmo novamente, mas responsabilizam a infiltração anglo-americana e os gafanhotos estrangeiros por não haver nada de novo outra vez. O anti-americanismo da esquerda local também é reforçado pelo facto haver pessoas como Krugman, que sabem com quem estão a lidar e os ridicularizam perante todo o mundo, como eles merecem, com livros como este. Uma honra que é repartida com dificuldade entre o Partido da Esquerda, os Verdes, o SPD e a CDU/CSU, uma vez que a organização local do trabalho forçado consegue parecer que é a mais desejada. O traço subterrâneo que liga o keynesianismo com o liberalismo clássico é que permite tornar claro que a exploração para todos, "muitas vendas e muito trabalho", é um lema humanista. Quem quiser ir além disto com a crítica social, terá primeiro de decifrar a "fábula moral", que "a economia" não é segundo Krugman, como a moral protestante do trabalho, em que o salário está supostamente ligado ao desempenho individual. É a partir desta moral protestante que os seus representantes propagam um ideal de justiça que chega à conclusão que uns ganham menos do que aquilo que produzem, enquanto outros são denunciados por se apropriarem de rendimentos sem trabalho. Uma acusação que é perigosa e pérfida porque ainda assim está de acordo com um contexto de divisão do trabalho no qual os indivíduos, como apêndices do aparelho de produção acumulada, em princípio produzem mais do que conseguiriam por conta própria.