Roswitha Scholz - Homo Sacer e Os Ciganos


Roswitha Scholz
Homo Sacer e Os Ciganos
O Anticiganismo – Reflexões sobre uma variante essencial e por isso esquecida do racismo moderno
1. Introdução: Anticiganismo – o racismo esquecido
O interesse pelo anticiganismo, ou seja, pelo racismo dirigido especificamente aos sinti e roma, é marginal mesmo entre a esquerda. Alguns nem sequer sabem o que significa o termo anticiganismo. Wolfgang Wippermann escreve o seguinte sobre o assunto: "Os meus colegas, professores e historiadores, não se debruçaram sobre os sinti e os roma por ser considerado um assunto pouco elegante. Também os intelectuais com uma atitude crítica falharam, pois demorou muito tempo até se dedicarem a este aspecto da história alemã. O mesmo se pode dizer dos grupos de esquerda a quem o destino dos  sinti e roma não tem suscitado até agora muito interesse" (Wippermann, 1999, p. 106). E o mesmo sucede, infelizmente, nos meios que se dedicam à crítica do valor. Como se a construção moderna do cigano, enquanto ser avesso ao trabalho, sensual, wild and free não fosse relevante, precisamente para sustentar uma posição crítica do valor e do trabalho. Esquece-se que as próprias necessidades reprimidas não foram projectadas somente nos exóticos, negros e selvagens, algures em África ou nas Caraíbas, mas que “eles” há séculos se encontram bem próximos, por assim dizer, no meio de nós: os ciganos, como parte inseparável da própria cultura ocidental moderna.
Para além das primeiras reacções ao projecto deste texto, que após uma breve chamada de atenção para a importância do tema consideraram espontaneamente “interessante” ocupar-se dele numa perspectiva distanciada, também se verificaram reacções do género: "Ai, afinal alguém tem de se ocupar desses pobres diabos com quem no fundo nada temos a ver. Viva a Madre Teresa! Graças a Deus que és tu a fazê-lo!". Mas também se fez ouvir a opinião de que se trataria de algo marginal, específico, de certo modo sem importância. Assim se vê que até nos meios que se dedicam à crítica do valor se subestima os ciganos e se manifesta o desdém anticiganista que caracteriza a sociedade capitalista no seu todo.
Observadas de mais perto, reacções deste tipo não surpreendem. O que durante muito tempo esteve no centro das análises da crítica do valor foi o sujeito do trabalho do fordismo, masculino e branco, que se esfuma no período da Pós-Modernidade, na senda dos processos de individualização, à medida que o trabalho abstracto se vai tornando obsoleto. A tematização do “lumpemproletariado” era mal vista, o que de modo nenhum contradizia a orientação de um marxismo tradicional, de que no fundo já não se queria fazer caso; isto para não falar do inumano originário, que aparece em figura de cigano, que era “o último” mesmo no seio do lumpenproletariado e à partida posto de lado, aquele que nem sequer precisava de ser mencionado e do qual ninguém se lembrava. E uma nova confrontação com o tema do racismo não parece necessariamente ter diminuído essa atitude (Scholz, 2005a).
Como veremos, em complemento a este tipo de posições, existem também no espectro científico alternativo de esquerda concepções românticas, que celebram o cigano no sistema capitalista como um eterno “resistente”, de acordo com a boa velha ideologia dos grupos marginais, se bem que este ponto de vista não desempenhe um papel decisivo no seu discurso. De resto, mesmo no caso das reacções menos frequentes ao projecto do meu texto, que o saudaram de um modo quase esfuziante, por vezes não consegui deixar de ter a impressão que se tratava de uma identificação problemática. As pessoas tendem a equiparar-se aos ciganos perseguidos no capitalismo com demasiada facilidade. É uma atitude em que transparece não só o medo da discriminação que possam sofrer, como excluídos potenciais que são, mas também uma romantização da sua situação precária, que desejam embelezar aos seus próprios olhos – um pouco à moda do quadro de Spitzweg “o poeta pobre”.
No entanto, uma crítica romântica e sentimental do capitalismo não está á altura da designação de crítica, muito menos de crítica da dissociação-valor. Precisamente porque o estereótipo do cigano, além de provocar reacções de demarcação estrita, pode ainda, no caso da apropriação romantizada, servir de variante utópica a uma crítica superficial do trabalho, a crítica social séria tem de o enfrentar também nesse aspecto. Há que pôr em destaque o real significado do anticiganismo, como variante específica do racismo no seio do capitalismo, no qual tudo gravita em torno do trabalho. A minha tese central, que pretendo expor neste ensaio, consiste na ideia de que o cigano é o homo sacer (Agamben, 2002) par excellence, isto é, que ele, como personagem que é declarado banido [vogelfrei], se situa desde sempre no exterior da lei e, por isso, representa a sua matriz inadmitida, sucedendo que a exclusão e a idealização romântica mais não são que as duas faces da mesma moeda racista. O desprezo pelo cigano é testemunha de uma forma, nada despicienda, de medo da despromoção na escala social, como estado de espírito fundamental e ubíquo no capitalismo. Será essa a razão provável da falta de atenção ou, pelo menos, da insuficiente focagem do anticiganismo e do cigano, mesmo na esquerda.
Uma investigação sobre a função do cigano, ou sobre o cliché que lhe corresponde no capitalismo, e a tematização do anticiganismo – esta variante aparentemente apenas marginal do racismo – talvez fossem mais aptas a conseguir descortinar os abismos, os fundões e baixios do capitalismo (especialmente numa altura em que, com o avanço da obsolescência do trabalho abstracto, é cada vez maior o número de seres humanos que se torna supérfluo) do que a ocupação com a crise do pobre ser masculino, inseguro da sua identidade, que causa todo o tipo de desastres por se sentir sob a “pressão de ser bem-sucedido” (Lothar Böhnisch), ou do que a atenção dedicada à questão do possível retorno da sociedade de classes – tudo coisas que hoje são abordadas por toda a parte como assuntos da maior urgência, o que é suficiente para o caduco sujeito (masculino) branco cheio de autocomiseração se estilizar de novo como vítima principal. E isto não é tudo, pois o debate entretanto iniciado sobre a camada social mais baixa e o precariado parece recomendar a tematização do anticiganismo, no preciso momento em que também o afundamento da classe média está a suscitar cada vez mais a atenção do público.
2. Modernidade e anticiganismo
Os ciganos surgiram na Europa Central no início do século XV. Durante algumas décadas gozaram de ampla aceitação como peregrinos mendicantes e nómadas. É por esse motivo que o século XV é referido, por vezes, como “a época de ouro” dos ciganos. Só na transição para a Modernidade começaram a ser perseguidos e escorraçados por decreto. Quando o feudalismo entrou em crise, as certezas e os vínculos antigos entraram também num processo de desagregação. A concepção do mundo vigente sofreu alterações profundas, epidemias e guerras espalharam o medo e o terror. O autor Wulf D. Hund resume de forma certeira os pressupostos da constituição do estereótipo do cigano. Muitos foram libertados por via de processos económicos e sociais diversos, vendo-se condenados à vagabundagem e à mendicidade: “O estereótipo do cigano ganhou um colorido particular pela circunstância de o seu desenvolvimento coincidir com a instauração do Estado territorial e da mentalidade económica capitalista na Europa Central. As parcelas de população com um modo de vida itinerante eram consideradas não controláveis no plano político e improdutivas em termos económicos. Por conseguinte, passaram a ser vítimas de perseguição e repressão intensa por parte das autoridades. Ainda assim, a situação do trabalhador assalariado, designada por Karl Marx pela expressão de dupla liberdade, revela-se pouco atraente. Ela consiste na coincidência da liberdade jurídica com a indigência social, o que equivale à situação em que o indivíduo, tendo cessado as relações de dependência do tipo feudal, livre de qualquer propriedade, vê-se constrangido a vender a sua força de trabalho. Nestas condições basta atribuir àqueles que não devam, não possam ou não queiram adaptar-se a esta nova situação a recusa a se sujeitarem às exigências do trabalho assalariado para se criar em redor do seu modo de vida uma aura de resistência. A dimensão social e a romântica do estereótipo do cigano encontram-se, por isso, intimamente associadas. Ao mesmo tempo, o peso ideológico da concepção moderna do trabalho, que o contrapõe ao ócio, confere-lhes uma dinâmica de enormes proporções" (Hund, 2000, p. 20).
Nessa época, os turcos avançavam vindos dos Balcãs, e espalhou-se a ideia de que os ciganos eram seus espiões. Das "imagens de estranhos saltimbancos negros, mendigos escorraçados pelos turcos, espiões, ladrões e vagabundos, a Dieta Imperial desenvolve em pouco tempo a tipologia do cigano vadio e espião ao serviço dos turcos. Na Dieta Imperial de Friburgo em 1498, o cigano é declarado banido pelo que deve retirar-se das terras da nação germânica” (Hund, 1996 p. 20). É necessário referir que até ao Iluminismo a imagem do cigano não se conformava a um padrão racista indiscutível. Era muito comum a opinião de que os ciganos formavam "uma pandilha maldosa, reunida à sorte, alérgica ao trabalho, que queria fazer sua profissão do ócio, da ladroagem, da pouca-vergonha, da comezaina, da bebedeira, do jogo etc. (...) não devendo o seu aspecto de estrangeiro ser levado a sério (…), pois eles teriam combinado o seu linguajar para comunicarem entre si, sem que outras gentes os (…) entendessem, e a cor da sua pele seria o simples resultado artificial de besuntamentos vários" (Zedler, 1749, cit. de Hund, 2000, p. 15). Sebastian Münster já em 1550 escreve o seguinte: "Dos ciganos e pagãos diz-se que são um povo bruto, negro, intempestivo e mal-educado, com forte inclinação para o furto, sem pátria, que vagueiam ociosos pelo país" (Münster, cit. de Hund, 1996, p. 21). Também neste passo se sublinha que entre eles se encontram pessoas de proveniências diversas: "Vivem sem preocupações … além disso, em todos os países aceitam homens e mulheres que a eles se queiram juntar" (ibidem). Os ciganos eram considerados estranhos, sobretudo por resistirem às novas exigências de "trabalho dependente e submissão sedentária" (Hund, 1996, p. 22).
É verdade que também se fizeram ouvir vozes opostas à imagem do cigano ocioso. Por exemplo, a seguinte: “Os zíngaros produziam dia após dia e hora após hora... trabalhos em ferro forjado, o que os forçava a executar uma actividade manual pesada, e procuravam sem descanso alimentos e vestuário’" (Crusius, 1596, citado de Hund, 1996, p.22). Ferreiro, caldeireiro, cesteiro e actividades similares eram profissões típicas de cigano. No entanto, manifestações destas foram ineficazes contra o estereótipo do cigano. Seja como for, este estereótipo já revelava concepções racistas antes do aparecimento de um conceito “científico” de raça no Iluminismo: "Está ao serviço da criação e da fixação categorial de uma diferença essencial entre seres humanos. Para tal serve-se da retórica polarizadora da exclusão, que de um modo nada despiciendo procura criar ou reforçar um sentido de pertença a uma comunidade (pátria, comunidade de destino), por meio de uma imagem negativa daqueles que supostamente são incapazes de fazer parte dela ou até podem pô-la em perigo. Para os estigmatizar, serve-se da combinação de argumentos morais, como a preguiça, e estéticos – são negros e feios – assim procurando associar um marcador visual a um alegado défice cultural. Além disso, afasta o nexo causal respeitante ao ser diferente do domínio das causas externas – expulsão, expropriação, penúria – para o domínio do que se é: a ociosidade como profissão” (Hund, 1996, p. 25 s.). O que também abona a favor da existência de uma variante pré-racista de ciganofobia é a circunstância de os ciganos, ao contrário do que sucedia com os vagabundos ociosos ou os mendigos, serem considerados aliados do diabo devido à cor mais escura da sua pele, explicando-se a partir desta característica os seus poderes de magia pagã, o que sucede a despeito de na sua maioria serem católicos.
No início do século XVIII, os ciganos foram novamente declarados banidos em numerosos pequenos Estados alemães. O que sucedeu até de um modo reforçado, pois “qualquer cigano masculino com mais de 18 anos devia ser trazido ao cadafalso, independentemente de lhe poder ou não ser imputado algum crime. A intenção era exterminá-los. Anteriormente o “banimento” nem sempre tinha sido levado a sério pela população, nem mesmo pela polícia; agora a intenção das autoridades era impô-lo por meio da ameaça de castigos severos. A falta de receptividade da população é justificada na literatura da especialidade pela necessidade de entretenimento, pelas funções económicas úteis que os ciganos desempenhavam nas sociedades agrárias e até pelo medo dos seus putativos poderes mágicos. Ao mesmo tempo, em paralelo com tais declarações de banimento, ainda surgiu um ou outro salvo-conduto concedido pelos príncipes locais a favor dos ciganos, embora se deva ter em conta que é provável que tal facto resulte de contradições internas das próprias sociedades estamentais, a caminho da modernização (cf. Meuser, 1996, p. 111 e s.). Talvez também tivesse tido alguma importância o facto de ter subsistido na própria “população normal” uma resistência maciça à sujeição ao processo de trabalho capitalista (cf. igualmente Kurz, 1999), pelo que os ciganos apodados de ociosos ainda não eram encarados com um potencial de agressão eliminatória tão grande como viria a suceder.
No século XVIII, Heinrich Moritz Gottlieb Grellmann entrou em cena como investigador e perito em ciganos. Tendo como pano de fundo as teorias contemporâneas sobre o meio, ele postula que "cada cigano terá de fazer de uma pátria a sua pátria e será constrangido a alimentar-se com o fruto do trabalho realizado pelas próprias mãos" (Grellmann, 1783, citado por Hund, 1996, p. 26.). Eram os primórdios do Estado-nação moderno. Consequentemente, existiram alguns projectos de reeducação, se bem que poucos, o mais conhecido dos quais foi promovido por Maria Teresa e José II da Áustria. A intenção era sedentarizar os ciganos levando-os a exercer uma ocupação regular; o români, a língua dos sinti e roma, foi proibido, bem como o casamento entre ciganos, as crianças a partir dos três anos foram retiradas aos pais para serem entregues nas localidades circundantes. Os ciganos deviam passar a designar-se “os novos magiares”. No entanto, esses projectos não tiveram grande êxito (Gronemeyer, 1988a, p. 66 ss.).
Como é sabido, no debate do Iluminismo cedo se impôs a opinião de que apenas a raça branca seria capaz de ascender à civilização. A tendência natural para a preguiça não podia ser superada sem coacção, para forçar o homem em bruto a sair do seu estado natural. Seria esse percurso que permitiria a evolução do animal até ao homem, afirmação que Kant sustenta, entre outros. Não admira que Kant se interrogasse se os ciganos – afinal já a sua “tez indiana” o indicaria – não teriam “falta de talento para a actividade” (citado de Hund, 1996, p. 28). A partir desse momento opera-se uma etnicização do estereótipo: de ora em diante, os ciganos são vistos como uma raça primitiva. Como são originários da Índia, presume-se que sejam descendentes dos intocáveis. Ao mesmo tempo, o jargão policial, independentemente da etnicização – científica – manteve-se fiel até ao século XX à ideia da associalidade do cigano. O elemento decisivo a este respeito é a opinião segundo a qual os ciganos já não são, em qualquer caso, uma raça pura, por consequência deviam ser considerados ciganos todos os migrantes sem domicílio fixo, quer fossem malabaristas, feirantes ou não tivessem profissão conhecida – estas eram as linhas mestras de um Memorial sobre a Luta contra os Malefícios dos Ciganos, de 1911 (cf. Hund, 1996, p. 32).
De acordo com esta orientação foram elaboradas teses “científicas” como as de Robert Ritter, que se destacou como perito em ciganos no período do Nacional-Socialismo. Segundo Hund, o seu ponto de partida pode ser resumido em três teses: "Os ciganos pertencem a outra raça; no entanto, são na sua maioria mestiços de ciganos e de indivíduos oriundos dos seus povos de acolhimento; os mestiços de ciganos são maioritariamente associais. Saídos do acasalamento de ciganos com alemães de raça inferior – no melhor dos casos com músicos, feirantes e trabalhadores ocasionais –, por motivos hereditários os mestiços de ciganos revelavam-se como um lumpenproletariado avesso ao trabalho, que mantinha todas as características ciganas” (Hund, 1996, p.33). No decorrer deste estudo não será esta a última vez que nos cruzamos com este senhor Ritter.
Conjecturou-se que os associais alemães seriam descendentes de tribos primitivas dos primórdios da Idade Média. Tais ideias resultaram na presunção da existência de um gene cigano ou associal. Se, no processo constitutivo da Modernidade, ainda existiu uma tendência inicial para equiparar os ciganos com os vagabundos e mendigos cadastrados, durante o período do Nacional-Socialismo, pelo contrário, os vagabundos e os ditos associais foram identificados com a raça estrangeira dos ciganos, como Hund refere (1996, p. 33 ss.).
Ao mesmo tempo e conforme já se sugeriu, a imagem do cigano também comporta elementos românticos. É neste quadro que se exprime o “mal-estar na civilização” (moderna). Aos ciganos são atribuídas “fugas musicais”. "Em especial realça-se o seu talento musical. (...) Tanto tocam o violino como o berimbau, no domínio dos sopros, a corneta, a flauta e o oboé. A sua música de dança é alegre e sentida" (Brockhaus Real-Ezyklopädie de 1848, citado de Hund, 1996, p. 13). Deste modo, a actividade musical é-lhes natural; não é o produto do esforço e da disciplina, pelo contrário, ao cigano ocioso ela corre-lhe no sangue.
Hund resume este racismo, por ele designado “racismo romântico”, pelo seu carácter projectivo – acompanhado dos estereótipos correspondentes – da forma seguinte: "Uma liberdade que teima em não se submeter aparenta ser característica de uma raça alienígena. A liberdade burguesa existe apenas no quadro da ordem exterior e do autodomínio interior. Uma liberdade desregrada conduz ao descalabro. Para a caracterizar, Merimée escreve sobre o povo de Carmen: ‘Pour les gens de sa race, la liberté est tout’ [‘Para as pessoas da sua raça, a liberdade é tudo.’]. Refere-se aqui, como explicita a própria Carmen, a liberdade de não receber ordens e de fazer o que nos apraz: em vez da virtude burguesa, o desregramento selvagem" (Hund, 1996, S, p. 16).
3. Anticiganismo e género
Wolff D. Hund, em cujas exposições sobre a relação entre Modernidade e anticiganismo me tenho baseado de forma privilegiada neste escrito, relaciona o anticiganismo sobretudo com o desenvolvimento do trabalho abstracto e da produção de mercadorias – apesar de se manter em muitos aspectos apegado ao pensamento marxista tradicional, assunto que não cabe desenvolver aqui. No entanto, escapa-lhe a particularidade de que o trabalho abstracto e o valor só podem existir no contexto de uma dissociação do feminino. Na Modernidade as actividades de reprodução consideradas menores foram atribuídas às mulheres: a lida da casa, a educação dos filhos, o “amor”, a protecção e cuidados vários etc.. Contrariamente ao homem, idealizado como ser racional, senhor de si próprio, provido de força de vontade etc., que representa o pólo da “cultura”, no caso da mulher há uma projecção de outros atributos tais como a sensualidade, a emotividade, a fraqueza de carácter e de entendimento. Com efeito, a mulher representava unilateralmente a “natureza”, a qual, no entanto, na civilização ocidental era concebida a priori como representação de uma natureza domesticada, dotada de virtudes morais e de castidade. É esta dissociação-valor que representa o princípio fundamental do patriarcado produtor de mercadorias, não como oposição dualista de contrários, mas num processo de articulação dialéctica, independente dos indivíduos empíricos e concretos. Ela não constitui um princípio rígido, mas está sujeita a metamorfoses no decurso do processo da Modernidade, até ao declínio e asselvajamento do patriarcado produtor de mercadorias dos nossos dias (este raciocínio não pode ser aqui apresentado na sua globalidade; ver o seu desenvolvimento em especial em Scholz, 2000). O que nos interessa neste momento é sobretudo a conexão entre anticiganismo e género, tendo como pano de fundo a teoria da dissociação-valor.
Relativamente a este tema, Wolfgang Wippermann dá algumas achegas, que apresentarei de seguida (Wippermann, 2000). A imagem da mulher sinti é construída antes de mais como sendo sexualmente sedutora e dotada de poderes de bruxaria, por contraposição à dona de casa respeitável e casta. Ao mesmo tempo, tem-se afirmado que as ciganas se destacam, sobretudo, como ladras. Em particular, as mulheres velhas, mas não somente essas, têm sido acusadas de possuírem dotes divinatórios, por conseguinte de bruxaria. Também é interessante a coincidência de a primeira publicação do tratado O Martelo das Bruxas, em 1487, e a primeira declaração de banimento dos ciganos na Dieta Imperial de Friburgo, em 1498, terem ocorrido quase em simultâneo. No entanto, as ciganas só raramente foram alvo de processos por bruxaria, uma vez que, com base no seu banimento que em algumas regiões se aplicava a homens e mulheres de igual modo, também podiam ser enforcadas sem processo judicial (as crianças eram reduzidas à escravidão). Tal facto contrariava os costumes de antanho, visto que habitualmente às mulheres eram aplicadas penas mais leves se cometessem um determinado crime. Porém, com medo de um mau-olhado, muitos lavradores preferiam não perseguir os sinti, fossem homens ou mulheres (cf. Wippermann, 2000, p. 283 e ss.). A este propósito cumpre assinalar que se manteve ainda durante muito tempo a crença nos poderes de feitiçaria das ciganas, mesmo depois de ter cessado a perseguição por bruxaria.
Já no Martelo das Bruxas a mulher era representada como sendo especialmente impulsiva, lasciva e desregrada. E assim não admira que a cigana jovem, bela e sedutora ocupe um lugar cativo na literatura (Carmen etc.). "Existem inúmeros romances de qualidade variável em que pontificam ciganas designadas por ‘florzinha’ ou ‘mignon’, que tentam seduzir caçadores e viandantes solitários. Por vezes, chega-se a um final feliz e elas ao seu príncipe encantado. Mas isso só sucede quando por sorte se conclui que não eram ciganas verdadeiras, mas sim belas princesas, que tinham sido roubadas aos seus pais verdadeiros por uma cigana velha e má“ (Wippermann, 2000, p. 285 s.). Como é sabido, o tema da cigana sensual e sedutora é recorrente, mesmo na literatura de cordel e na pintura de quadros de hotel.
A condizer com tudo isto, no Nacional-Socialismo as supostas tentativas de sedução de transeuntes por ciganas jovens, e o assédio por outras mais velhas procurando ler-lhes a sina, justificaram a criação de campos de internamento para os sinti e roma. Com essa medida a parte masculina da “comunidade nacional” deveria ser protegida (Wippermann, 2000, p. 288). Até nas cantigas populares de data recente podemos encontrar a figura da cigana sexualmente sedutora ou da bruxa. Por exemplo, é o que sucede com o cançonetista Adamo:
“Uma delas era o meu amor
Mas todas são como ela
Apaixonado como um trovador
Por ela me deixei enlaçar

Ai, como ela dança
E a rosa vermelha entre os seus dentes
Ai, como ela dança
Reduziu o meu ser a fogo e sangue

Nem um vislumbre de esperança pode sobrar
A sua simples evocação
É uma punhalada no meu coração
Ciganos vêm a passar
lallalllallllalllla
 Ciganos vêm a passar”
(Adamo citado de Wippermann, 2000, p. 291).
Wippermann comenta da seguinte forma: "A ‘punhalada no coração’, uma vez cravada, não mais volta a sarar. O homem que a sofreu afasta-se para todo o sempre da vida decente da burguesia, regida por uma moral severa. De homem honrado transforma-se num associal" (Wippermann, 2000, p. 291). Também a acusação de que os ciganos teriam demasiados filhos, frequente na imprensa desde os anos 90, comporta, de forma que não é despicienda, uma acusação sexista contra as mulheres sinti e roma (cf. Wippermann, 2000, p. 291 s.). Por fim, diz-se que os ciganos invertem a ordem natural dos papéis sexuais; uma alegação desta natureza baseia-se na suposição de que são as mulheres que sustentam a família com pequenos roubos, o que os homens não só não impedem, como para cúmulo até receberiam o produto ilícito do roubo que elas lhes trariam. Acontece que, como se sabe, segundo a concepção burguesa é o homem, e apenas ele, quem deve sustentar a família, exercendo um trabalho honrado. Também se defende que as mulheres ciganas já teriam usado calças, o que segundo Wippermann não tem fundamento. Tradicionalmente as mulheres sinti usavam saias compridas, como podemos ver em imagens antigas (Wippermann, 2000, p. 286).
Uma outra coisa que visivelmente baralha a ordem dos papéis atribuídos a cada sexo é a fotografia recorrente da mulher cigana de lenço na cabeça e a fumar cachimbo. Na ideologia burguesa, esta combinação é “impossível”, pois, na verdade, o cachimbo é conotado com o masculino. "Se o cigano masculino era e é encarado de modo suficientemente negativo, a cigana é-o de forma ainda pior pelo simples facto de não desempenhar o papel que lhe é atribuído por um mundo masculino. Além disso, ela é ainda mais ladra que o sinti, já de si um notório ladrão“ (Wippermann, 2000, p. 292). No entanto, se também se recorre com gosto à imagem da pobre cigana horrivelmente oprimida pelo marido, também não raro o cigano é representado como “efeminado”. Seja como for, é nítido que o anticiganismo é determinado por um critério específico associado ao sexo. Na gestão dos estereótipos correntes, a cigana representa os ciganos na totalidade.
Existem também outros clichés da cigana. Neste ensaio, figuras como a bruxa velha, por um lado, e Carmen, por outro, têm um tratamento privilegiado, porque dominam a produção de estereótipos do anticiganismo no feminino – por contraposição à imagem da dona de casa, mãe domesticada e casta da Modernidade, que faz par com o trabalhador disciplinado.
4. Sobre a história do anticiganismo na Alemanha
4.1 Império e República de Weimar
Desde o início da Modernidade, as expulsões e banimentos foram ciclicamente regressando à ordem do dia em vários países europeus, sucedendo que a perseguição aos sinti e roma culminou no seu assassínio em massa durante o Nacional-Socialismo (cf. igualmente Haupt, 2006, p. 115 ss.). Wulf D. Hund inicia um dos seus ensaios com um relato de Fania Fénelon, que pertenceu à chamada orquestra de raparigas de Auschwitz. Pouco depois de uma acção de liquidação de ciganos, um homem das SS, embriagado, acorda-a a meio da noite. "E o que queria ele ouvir? Umas cançonetas e música cigana (...) Felizmente a bebedeira não lhe dá para a fúria, mas para o sentimentalismo (...) Com o seu violino, Lily toca-lhe junto ao ouvido melodias ciganas repletas de nostalgia, e ele derrama lágrimas copiosas” (Fénelon citada de Hund, 1996, p. 11). Hund comenta: "Não haverá outro lugar onde a quimera racista, composta de um misto de empatia e exclusão, tivesse assumido contornos mais perversos" (Hund, 1996, p. 11).
Nas passagens que se seguem vamos rememorar alguns dos episódios da perseguição aos sinti e roma, desde os tempos do Império e da República de Weimar, como prelúdio ao seu extermínio no Nacional-Socialismo, bem como à discriminação após 1945.
Se a perseguição aos sinti e roma apresentou até ao Iluminismo traços assaz contraditórios, no século XIX foi sistemático o recurso a ela no âmbito dos esforços para a fundação do Império alemão: "Já nos tempos do Império, os sinti e os (...) roma foram discriminados por motivos racistas" (Wippermann). Neste contexto, são elucidativas as palavras do conselheiro para os assuntos criminais do príncipe de Reuß-Plauen, Richard Liebich, ao estabelecer "que todos os sinti e roma são pessoas com direitos diminuídos pelo simples facto de serem ciganos, circunstância que torna desnecessária uma análise do caso concreto em apreço (...). Se o juiz, em todos os outros casos, tem a obrigação de individualizar, isto é, de começar por analisar e conhecer o sujeito em causa no que respeita à sua individualidade, para em seguida determinar o curso do processo, o inquiridor avisado e conhecedor da essência dos ciganos pode generalizar sem preocupação de cometer um erro, no que a eles respeita, pois esse perigo não existe, e assim medir todos pela mesma bitola e tratá-los a todos do mesmo modo: é que um cigano autêntico e verdadeiro é a matriz de todos os outros" (Liebich citado de Wippermann, 1997, p. 113 s.).
Desde meados do século XIX foi sistemática a elaboração de ficheiros dos sinti e roma. Estes foram objecto de limitações várias, por exemplo, era-lhes recusada a licença de venda ambulante e os seus filhos eram enviados para casas de correcção, enquanto alguns municípios, procedendo por vezes à margem da lei, acabavam por emitir essas licenças para que os ciganos seguissem viagem rumo a outras regiões. Foi proibido viajar em “horda”, isto é, em comunidades familiares e afins. Os ciganos estrangeiros deviam ser deportados, os nacionais eram alvo de um tratamento tão restritivo quanto possível. "Por fim, a ‘característica cigana’ era averbada até nos bilhetes de identidade e documentos pessoais. Desde o início do século XX, as autoridades passaram (...) a efectuar um registo de todos os possíveis sinti e roma a viver na Alemanha, e nem se pouparam a tirar-lhes fotografias, na altura ainda caras, assim como as impressões digitais (...). Eles estavam submetidos a uma forma particular de direito e eram cidadãos com direitos diminuídos. Tendo sido esse o caso já nos tempos do Império, esta prática pouco se modificou, mesmo durante a República de Weimar" (Wippermann, 1997, p. 114 s.).
Nalguns casos a situação até piorou. Em 1926 entrou em vigor na Baviera a Lei de Combate a Ciganos, Nómadas e Avessos ao Trabalho. Segundo esta lei, "qualquer sinto ou roma, que ‘não fosse capaz de comprovar ter um trabalho regular’, podia ser colocado ‘por motivos de segurança pública num campo de trabalho, durante um período que ia até dois anos’ (...). Nesses ‘campos de trabalho’ ou ‘casas de trabalho’ os sinti e roma estavam sujeitos a trabalhos forçados e a um regulamento interno extremamente rígido, que serviria de modelo aos ‘regulamentos’ posteriores dos campos de concentração do Nacional-Socialismo" (Wippermann, 1997, p. 115). No período do Nacional-Socialismo, a ciência racial decidiria quem era cigano.
4.2. Porajmos: o exterminio em massa dos sinti e roma no Nacional-Socialismo.
Nas ciências históricas está lançada uma controvérsia em torno do problema de saber se a Shoa e o Porajmos são equiparáveis – o termo da língua români significa “o devorado” e designa o extermínio dos sinti e roma no Nacional-Socialismo –, ou se, pelo contrário, se tem de insistir no carácter único da Shoa. Este ensaio não é o sítio adequado para aprofundar esse debate; tal problemática terá de ser objecto de uma pesquisa posterior. Apenas cumpre referir, por agora, que a vontade absoluta de eliminação dos sinti e roma – mesmo que sob a forma de uma expulsão duradoura – contrariamente ao que se passou com os judeus, não apareceu somente no decurso do Nacional-Socialismo, mas já existia antes. No entanto, é um facto que a perseguição e o assassínio não só dos judeus, mas também dos sinti e roma tem de ser vista no contexto de um amplo programa nacional-socialista de melhoramento de uma raça e de extermínio de outras, como sustenta Wolfgang Wippermann – é sobretudo às suas palavras que irei recorrer no que se segue, cf. Wippermann, 2005. Pode considerar-se que a fúria aniquiladora anticiganista alcançou um auge durante o período do Nacional-Socialismo.
Pretendia-se conquistar espaço vital para o “povo alemão” no Leste e purificar o corpo nacional “saudável”, depurando-o de elementos de raça estrangeira, da doença hereditária e de elementos associais. Aos associais da “cultura dominante” (Birgit Rommelspacher), porém, ainda se concedia, em princípio, alguma capacidade de emenda (cf. Schatz/Woeldicke, 2001, p. 101), se bem que também eles eram suspeitos de sofrerem de deficiência hereditária. A ciência e o “senso comum” correspondiam-se em muitos aspectos.
O mais notório “especialista em ciganos” foi o já mencionado Robert Ritter. Em 1936, Ritter tornou-se director do ainda recente Instituto de Investigação de Higiene Racial e de Biologia da Hereditariedade na Direcção-Geral de Saúde do Reich. Embora isso não seja referido expressamente, as primeiras leis raciais do Nacional-Socialismo foram aplicadas aos sinti e roma. Assim, e dando seguimento a uma lei de 1933, foram submetidos a esterilização forçada, tendo muitos deles sido classificados como “imbecis” ou “incapazes do ponto de vista social”. Também as leis raciais de Nuremberga, que no início não diziam respeito aos sinti e roma mas somente aos judeus, foram igualmente aplicadas àquele grupo populacional. O seu objecto era a proibição do "casamento de pessoas de sangue alemão com ciganos, negros ou seus bastardos" (circular do ministro do interior do Reich e da Prússia de 26 de Novembro de 1935, citada de Wippermann, 2005, p. 32). A partir de 1935 iniciou-se o internamento dos sinti e roma nos chamados campos de ciganos, iniciativa que numa primeira fase partiu das autoridades locais – com o conhecimento e beneplácito do chefe da polícia alemã, Heinrich Himmler –, sendo que, como referimos antes, os mestiços de ciganos eram considerados como tendo uma particular inclinação para a associalidade e o crime. A partir desse momento, Himmler foi responsável não só pelo extermínio dos judeus, mas também dos ciganos.
Em 1938, ele ordenou a "solução definitiva da questão cigana (...) com base na natureza da raça". Para tal, baseava-se em estudos do instituto de investigação dirigido por Ritter, que tinham diferenciado muitos dos 30.000 sinti e roma da Alemanha, com o auxílio de instituições estatais e das igrejas, em “ciganos puro-sangue”, “mestiços de ciganos de sangue predominantemente cigano”, “mestiços de ciganos de sangue cigano e alemão em iguais proporções” e "mestiços de ciganos de sangue predominantemente alemão" (cf. Wippermann, 2005, p. 34). Até as pessoas com um bisavô considerado cigano eram classificadas como mestiço de cigano. Aos sinti e roma que tinham escapado ao registo, ao contrário do que sucedia com os judeus que também podiam ser detectados com base nas listas de membros das comunidades, ainda restava a hipótese de se disfarçarem de nacionais dos países amigos da Alemanha (por exemplo de italianos), o que alguns chegaram a fazer (Wippermann, 2005, p. 36).
O assassínio sistemático dos judeus, dos sinti e dos roma começou após o ataque à Polónia em 1939. Todos os sinti e roma deviam ser deportados para a Polónia. Esta acção foi provisoriamente interrompida em 1940, sobretudo porque alguns investigadores de ciganos – entre os quais se contava também Ritter – e polícias destacados para a questão cigana tinham dado um parecer negativo à deportação, com o argumento de que os sinti e roma iriam fugir e regressar à Alemanha. "Em Outubro iniciou-se então a deportação em massa dos judeus alemães para Leste. (...) Em Novembro de 1941, cerca de 5000 sinti e roma do Estado austríaco de Burgenland, da Hungria, da Roménia e também da Alemanha foram deportados para o gueto de Lodz (...). Tal ocorreu acompanhado dos mais veementes protestos das autoridades alemãs responsáveis pelo gueto e pela cidade de Lodz, que não se limitando a referir como argumentos todos os preconceitos anticiganistas imagináveis, chegaram a recriminar as altas patentes das SS, que os pressionavam no sentido de aceitarem mais ‘ciganos’, de terem aprendido com estes certas maneiras de vigaristas (...). O único interesse destas missivas consiste na demonstração de que os homens das SS odiavam os ‘ciganos’ mais ainda que os judeus.
De forma semelhante se procedeu no Leste onde, imediatamente após o assalto à União Soviética, para além de judeus, comissários políticos do exército vermelho, doentes mentais e os chamados ‘asiáticos inferiores’, também os sinti e roma foram incluídos nas acções de extermínio, sem que para tal tivesse sido necessária uma ordem específica. Só a 4 de Dezembro de 1941 o comissário do Reich responsável pelo Báltico e pela Bielorrússia, Hinrich Lohse, ordenou que os ‘ciganos’ deviam ‘ser equiparados aos judeus’ no tratamento dispensado" (Wippermann, 2005, p. 41).
As decisões eram deixadas ao critério dos comandantes da polícia de segurança e do serviço de segurança, tendo isso resultado no fuzilamento imediato de numerosos sinti e roma ou na sua deportação para os campos de extermínio. Nas zonas ocupadas da União Soviética, os sinti e roma, tal como os judeus, eram assassinados pela Wehrmacht, pela polícia e por elementos de destacamentos especiais. Os ciganos continuavam a ser suspeitos de serem agentes do inimigo. Os judeus eram considerados como estando essencialmente envolvidos na guerra de guerrilha, ao passo que "os ciganos seriam responsáveis por actos de especial crueldade e pelo serviço de informações do inimigo" (Turner citado de Wippermann, 2005, p. 43). Wolfgang Wippermann comenta da seguinte forma: "Estes testemunhos de fontes históricas apontam no sentido de os alemães comuns que foram carrascos ao serviço do regime não terem de modo algum odiado apenas os judeus, como foi sustentado por Daniel Jonah Goldhagen. Os ‘carrascos voluntários de Hitler’ mostraram, no assassínio em massa perpetrado contra os sinti e roma, um zelo fanático ainda maior, porque as ideologias e estereótipos anticiganistas, pelos vistos, tinham raízes mais profundas que os anti-semitas. É verdade que se trata de uma conjectura, porém, não é uma simples conjectura o facto de os sinti e roma, tal como os judeus, terem sido gaseados nos campos de extermínio e fuzilados por elementos dos destacamentos especiais, dos batalhões de polícia e da Wehrmacht. Este é um facto comprovado, sem margem para qualquer contestação. Como admitiu sem rodeios o chefe do destacamento especial D, Otto Ohlendorf, em 1945, perante os inquiridores aliados, ‘neste aspecto não existia qualquer diferença entre ciganos e judeus’" (Wippermann, 2005, p. 44; cf. a este propósito igualmente a análise do significado do livro de Goldhagen no debate acerca do Holocausto na perspectiva da crítica da dissociação-valor em Dornis, 2005).
Já agora, merece a pena referir que em 1943 todos os ciganos e mestiços de ciganos foram excluídos do serviço militar, o que até deparou com incompreensão no seio da instituição militar. "Afinal vários mestiços de ciganos e pelos vistos também ciganos de raça pura tinham sido condecorados pela sua bravura, e alguns até tinham sido promovidos a oficiais subalternos". "Só em princípios de 1943 é que alguns deles chegaram ao campo cigano em Auschwitz-Birkenau, ainda de farda completa e cobertos de insígnias e condecorações" (Wippermann, 2005, p. 45). Quanto a isto há que mencionar que a profissão de soldado foi uma das tradicionalmente escolhidas por ciganos. Este facto parece estranho, pois a disciplina militar parece opor-se diametralmente ao estereótipo do cigano. De acordo com a literatura especializada, porém, tal tradição terá que ver, entre outros, com a profissão cigana típica de ferreiro, que fazia falta à instituição militar.
Em Julho de 1944 ocorreu o último gaseamento. Os sinti e roma também foram assassinados nos Países Baixos, na Bélgica, em França, na Croácia, na Roménia, na Eslováquia etc. Curiosamente, Himmler defendeu inicialmente o plano caricato de estabelecer um povoamento de ciganos de raça pura junto ao lago de Neusiedel numa reserva onde, conservando os seus usos e costumes, deviam poder exercer um trabalho “de acordo com a sua natureza”. Na sua opinião, os ciganos de raça pura, enquanto arianos – se bem que inferiores – poderiam dar um importante contributo aos costumes germânicos – não em último lugar pelas suas capacidades ocultas e mágicas. No entanto, este plano foi inviabilizado por Bormann e Hitler (cf. Wippermann, 2005, p. 45 s.).
Não é preciso mencionar que a característica de ser avesso ao trabalho constituía um atributo importante de definição da associalidade no Nacional-Socialismo e era uma acusação fulcral aos sinti e roma, além de o ser também aos judeus. Assim, Ritter escreve: "No seio de nações altamente desenvolvidas dotadas de modos de organização comunitária diferenciados viviam assim ‘hordas alienígenas que, contrariamente à população autóctone, professam o nomadismo e não vivem do trabalho’ (...) Apropriam-se de tudo a que consigam deitar mão (...) Contentam-se com um lugar ao sol, não sentem qualquer necessidade particular, pelo que também não sentem a necessidade de trabalhar (...) Todos os esforços no sentido de lhes ensinar outra forma de viver – alheia à sua natureza – estão condenados ao fracasso, porque todas as explicações alheias os deixam indiferentes, não logram qualquer ressonância da sua parte, isto é, no fundo são incompreensíveis para o seu entendimento" (Ritter, citado de Schmidt, 1996, p. 140).
4.3 O tratamento repressivo dos sinti e roma depois de 1945, a (falta de) indemnização e o movimento dos direitos cívicos
Após a guerra, os sinti e roma foram frequentemente colocados ou mantidos em alojamentos precários e degradados ou despachados para as periferias urbanas. "Sair dessas condições de vida era possível, quando muito, apenas em casos isolados ou à custa da negação da própria identidade" (Reemtsma, 1996, p. 126). Os preconceitos tradicionais continuaram de pedra e cal, apesar de Auschwitz, porque os peritos em ciganos do Nacional-Socialismo transitaram para as chancelarias dos estados federados e para os municípios, e com eles as suas concepções, entre as quais o cliché de parasita. "Todos eles não só trouxeram para as suas repartições parte dos ficheiros dos sinti e roma elaborados durante o Nacional-Socialismo, como prosseguiram com o registo – especial! – dos que sobreviveram" (Reemtsma, 1996, p. 126).
Na realidade, segundo as decisões aliadas, as leis da República de Weimar e do Nacional-Socialismo deveriam ter sido revogadas; nos anos 50, tal requisito foi subvertido, por exemplo, com a entrada em vigor do Regulamento dos Nómadas da Baviera que se manteve inalterado até aos anos setenta e que, com os seus conteúdos afinados a preceito, de facto tinha por alvo os sinti e roma, ainda que apenas restassem poucos sinti com modo de vida nómada. A sua fonte de inspiração era a já referida Lei de Combate a Ciganos, Nómadas e Avessos ao Trabalho, de 1926, da Baviera. Quem pretendesse viver de forma permanente necessitava de uma autorização especial. Até 1957 esteve em vigor no Estado de Hesse a Lei de Combate aos Malefícios Provocados pelos Ciganos de 1929. Outros decretos dirigidos aos ciganos, datados, entre outros, do início do século XX, mantiveram-se em vigor até ao ano de 1976. No entanto, mesmo depois de tais leis e decretos terem sido abolidos, as medidas especiais prosseguiram. Em diversas cidades alemãs existiam planos estratégicos para evitar a todo o custo a permanência de ciganos na respectiva comarca. Nos manuais policiais mantinham-se indicações provenientes da higiene racial nacional-socialista. Os ciganos continuavam a ser considerados avessos ao trabalho e movidos pelo impulso nómada.
"Em termos gerais, na polícia prevalecia uma ‘atitude de suspeição sistemática’, segundo a qual todos os sinti e roma seriam criminosos em potência. Na administração policial tal atitude implicava um registo dos sinti e roma tão abrangente quanto possível, que ia ao ponto de incluir o seu ‘ZN –  nome cigano’ ou o número de prisioneiro do campo de concentração. Até final dos anos setenta, o Boletim de Controlo dos Nómadas era transmitido, através das agências criminais estaduais, ao Serviço Central do Nomadismo em Munique que dispunha de um “registo dos ciganos” em toda a República Federal da Alemanha. O responsável local pelo registo dos dados e de outras medidas era um Chefe do Serviço de Ciganos, sendo o serviço responsável nas agências criminais estaduais o Departamento de Nómadas. Para a distribuição da informação eram publicados boletins informativos do “controlo dos nómadas” e directrizes das agências criminais estaduais nas suas publicações oficiais e nas da sua congénere federal. Após o ano de 1981, sob pressão dos protestos públicos contra este registo especial, interveio uma alteração de nomenclatura. Os ‘nómadas’ e ‘ciganos’ converteram-se em suspeitos designados por ‘HWAO’ (abreviatura alemã para “mudança frequente do local de permanência”) e ‘TWE’ (abreviatura para “assaltos diurnos a domicílios) (...) Em vez de serem transmitidos para o Serviço Central do Nomadismo em Munique, os dados passaram a seguir através das Agências Criminais Estaduais para a Agência Criminal Federal. As informações eram distribuídas por telex, ordens de serviço e edições especiais do jornal oficial da agência criminal federal" (Reemtsma, 1996, p. 128 s.). O tratamento ilegal para fins de identificação criminal prosseguiu também nos anos noventa com o intuito de manter a vigilância e o controlo dos sinti alemães e dos roma estrangeiros (cf. Reemtsma, 1996, p. 130).
Durante muito tempo, os crimes cometidos contra os sinti e roma pelo Nacional-Socialismo não foram reconhecidos. Depois de 1945, investigadores dos ciganos como Robert Ritter e a sua assistente Eva Justin ou não foram perseguidos ou foram ilibados de eventuais acusações e continuaram despreocupadamente a trabalhar nas respectivas instituições. O material nacional-socialista continuava a ser utilizado em estudos antropológicos. A este propósito é necessário destacar a figura de Hermann Arnold, cujas investigações prosseguiram na senda de Ritter, e com a sua abordagem biologista chegou mesmo a ser conselheiro do governo da República Federal da Alemanha e da Caritas até ao final dos anos setenta. Os sinti e roma continuavam a ser considerados infantis e apegados ao pensamento mágico. Os peritos que avaliavam os pedidos de indemnização por perseguição no regime nazi eram os antigos colaboradores do Serviço Central de Ciganos na temida Direcção-Geral de Segurança do Reich e do Instituto de Investigação de Higiene Racial na Direcção-Geral de Saúde do Reich. O resultado foi, entre outras coisas, uma circular do ministro-presidente do estado de Baden-Württemberg de 1950: "O exame do direito de ressarcimento dos ciganos e mestiços de ciganos (sic!) ao abrigo dos regulamentos da lei das indemnizações conduziu à conclusão de que o círculo de pessoas referido foi, na sua maioria, objecto de perseguição e aprisionamento, não por motivos racistas, mas devido à sua atitude associal e criminosa. Por este motivo ordenamos que os pedidos de ressarcimento de ciganos e mestiços de ciganos sejam, antes de mais, encaminhados para exame ulterior para o serviço estadual de identificação criminal" (citado de Reemtsma, 1996, p. 134).
Em 1963 foi anulado um acórdão do Supremo Tribunal Federal, de 1956, que afirmava que os sinti e roma apenas tinham sido alvo de perseguições racistas desde 1943, e não desde 1938. Nessa altura muitas das vítimas já tinham morrido, e muitos nunca souberam de tal jurisprudência. O prazo para os pedidos de indemnização expirou em 1969. No entanto, em 1981 foram emitidas novas directrizes para o "ressarcimento de situações de crueldade cometida em casos isolados, para perseguidos de ascendência não judaica". O montante máximo era de 5.000 marcos alemães, ou então era concedida uma pensão de reduzido valor. Como resultado de campanhas públicas e de processos judiciais, a maioria dos sinti e roma na Alemanha obteve por fim uma indemnização, ainda que tivesse sido perfeitamente insuficiente e vergonhosa (cf. Reemtsma, 1996, p. 135). "Muitos sentiram a forma como as autoridades alemãs lidaram com o seu destino como uma ‘segunda perseguição’" (Reemtsma, 1996, p. 135). Apenas os sinti e roma alemães obtiveram uma indemnização; os roma da Europa de Leste, pelo contrário, ficaram sem nada, a não ser que tivessem sido vítimas de experiências médicas ou forçados a trabalhar na Alemanha. Cumpre referir, a propósito, que após 1945 não foi restituída a alguns sinti e roma a nacionalidade que lhes tinha sido retirada pelos nazis antes da deportação (cf. Wippermann, 2005, p. 73).
Margalit chama a atenção para a circunstância de, contrariamente ao “anti-semitismo secundário”, ou seja, por um lado, um anti-semitismo não apesar de, mas devido a Auschwitz, e por outro, um filo-semitismo que surgiu após 1945, nada de semelhante ocorreu relativamente aos ciganos. Nem no período do pós-guerra o preconceito anticiganista foi abordado de uma forma significativa, nem o extermínio dos sinti e roma no Nacional-Socialismo foi trabalhado de um modo adequado, para poder conduzir às transformações condizentes. Margalit distingue três abordagens discerníveis no discurso público dos anos posteriores a 1945: A “narrativa nazi” – no fundo, os nacional-socialistas tinham razão com a sua prática eliminatória dos ciganos associais –, a “narrativa quase-judaica – os ciganos foram aniquilados tal como os judeus, o que é um escândalo – e por fim a "narrativa sincretista", que é aquela que predomina. Ou seja: "Esta última, a narrativa sincretista, encarava os ciganos perseguidos, por um lado, como elementos duvidosos e não como vítimas inocentes mas, por outro, ainda assim via-os como vítimas, à semelhança da ‘narrativa judaica’, condenando a sua perseguição e o assassínio em massa contra eles perpetrado como sendo um crime. Esta síntese reflecte a atitude geral da população alemã após 1945 a respeito da perseguição dos ciganos e judeus” (Margalit, 2001, p. 222).
Em termos gerais podemos dizer que o tratamento dos sinti e roma pelas autoridades só nos anos setenta começou a apresentar algumas melhorias (cf. Reemtsma, 1996, p. 135). "Na República Federal da Alemanha nenhuma minoria foi criminalizada e exposta à suspeição generalizada com tanta persistência, tanto pela polícia como pelos média, como os sinti e roma", escreve Michail Krausnick (1996, p. 147). O clima comparativamente liberal que se fez sentir depois de 1968 acabou por mostrar-se favorável aos interesses dos sinti e roma. Em 1971, Vinzenz Rose fundou o Conselho Central dos Sinti da Alemanha Ocidental. Já anteriormente tinham existido algumas tentativas no sentido da organização dos seus interesses (cf. Wippermann, 2005, p. 76). As alterações decisivas, no entanto, ocorreram no final dos anos setenta. Com acções de protesto e manifestações tentou-se criar uma consciência pública do extermínio e da discriminação persistente.
O activista mais destacado foi Romani Rose, que ainda hoje é presidente do Conselho Central dos Sinti e Roma, fundado em 1982. Anteriormente, os sinti e roma tinham sido sobretudo objecto da assistência social por parte de instituições estatais, municipais e das igrejas, que muitas vezes se baseava nas tradicionais concepções discriminatórias dos ciganos. Em Outubro de 1979 foi organizado, em cooperação com a Sociedade para a Defesa dos Povos Ameaçados, um comício comemorativo sob o mote Gaseados em Auschwitz, Perseguidos até Hoje (este foi também o título de uma colectânea sobre o assunto; Zülch, 1979) no memorial de Bergen-Belsen, que se saldou por um êxito retumbante e onde discursou, entre outros, a presidente do Conselho da Europa, Simone Veil, ela própria uma antiga prisioneira de um campo de concentração. Em 1980 sucedeu-se uma greve de fome de sete dias no memorial de Dachau, exigindo direitos de cidadania para os sinti e roma e o fim do tratamento discriminatório por parte das autoridades. Entre outras reivindicações, exigiu-se informação sobre o destino dado aos ficheiros elaborados durante o Nacional-Socialismo. Para além disso almejava-se o reconhecimento dos sinti e roma como minoria étnica. Esta acção teve eco no mundo inteiro, e como já vimos foram reabertos numerosos processos com vista à indemnização das vítimas. A perseguição e o extermínio dos sinti e roma foram reconhecidos, ainda que se deva dizer que em termos gerais a sua memória permaneceu bastante ténue até hoje.
Como pessoas de esquerda, mais do que cépticas a respeito de todas as construções étnicas e nacionalistas, a nossa primeira reacção é de consternação ao vermos que agora também os sinti e roma reclamam o seu reconhecimento como minoria étnica. Neste contexto, também torcemos o nariz à cooperação com a duvidosa Sociedade para a Defesa dos Povos Ameaçados. No entanto, há que ter em conta que mais nenhum agrupamento ou instituição, mesmo de esquerda, fez sua a causa dos sinti e roma. Também é verdade, no caso específico dos sinti e roma, que estes até à data foram sobretudo compreendidos através da categoria de associalidade e encarados como um problema social. Sob este prisma, a exigência de reconhecimento como uma etnia singular aparece a outra luz, justamente no que respeita a este grupo populacional.
Hoje existem em muitos Estados Federados da Alemanha gabinetes das respectivas associações estaduais dos sinti e roma alemães, que dão apoio a pedidos de indemnização e em questões jurídicas e sociais, que trazem a público casos de discriminação e desenvolvem iniciativas culturais, como palestras, debates, festivais musicais etc.. E é precisamente este esforço para revelar as situações de discriminação e dar início a medidas jurídicas de protecção que faz muita falta, como demonstra, por exemplo, Änneke Winckel, ao documentar atitudes anticiganistas que ainda hoje podem ser observadas junto de instituições estatais, da justiça, da polícia e dos média etc. (Winckel, 2002). O reconhecimento dos sinti e roma como minoria étnica, à semelhança dos dinamarqueses e dos frísios no Estado de Schleswig-Holstein ou dos sórbios da Lusácia, na antiga RDA, já foi conseguido. Houve discussões em torno da questão se devia ser exigida uma protecção das minorias por parte do governo central também em outros países como, por exemplo, a Polónia, Hungria, Roménia, República Checa etc., ou se se deve advogar um direito fundamental de permanência para todos os roma, sobre o pano de fundo dos crimes do Nacional-Socialismo alemão, o que também conduziu a cisões no seio das organizações dos sinti e roma (cf. Wippermann, 2005, p.81). Já existe um Centro de Documentação e Cultura dos Sinti e Roma Alemães em Heidelberg. Este ocupa-se sobretudo da investigação histórica, de erigir memoriais, de iniciativas e questões culturais, da manutenção de tradições etc. (cf. Krausnick, 1996, p. 154).
Desde 1989, a situação dos roma piorou de forma dramática, nomeadamente nos antigos Estados do bloco de Leste. As expulsões e os pogrom estão na ordem do dia, o que provoca movimentos migratórios. No entanto, estas realidades são menos noticiadas na Alemanha do que os pedidos de asilo, alegadamente injustificados, furtos em lojas e crianças a mendigar. De um modo geral é possível detectar desde 1989 um recrudescer dos estereótipos anticiganistas junto das instituições estatais, dos média etc.: chamam-lhes criminosos, dizem que mendigam e procriam “que nem coelhos”, que são sujos, supersticiosos, primitivos e por aí adiante (vd. Winckel, 2002).
Tudo isto a respeito da história do anticiganismo na Alemanha. Para finalizar esta parte da exposição, gostaria de chamar a atenção para o seguinte: mesmo que seja verdade que as “estruturas fundamentais de exclusão” sejam semelhantes em todos os países europeus (Haupt, 2005, p. 111), ainda assim, não é de excluir a ideia de que ao mesmo tempo existem diferenças consideráveis. Nos Países Baixos, por exemplo, nunca houve leis especiais para os ciganos, e uma certa “cultura da roulotte” dos holandeses juntamente com as respectivas infra-estruturas ajudou a que a discriminação dos ciganos se mantivesse dentro de certos limites (cf. Völklein, 1981, p. 102 s.). Neste contexto, também é interessante que o estereótipo do “cigano criminoso” não parece estar generalizado no Reino Unido, sendo o comportamento criminoso habitualmente atribuído aos nómadas da “cultura dominante” (cf. Völklein, 1981, p. 101). Entre 1830 e 1870, os romanicals estavam, comparativamente com outros países, bem integrados em Inglaterra, ganhando bem no comércio com os agricultores, até que importações de trigo dos EUA puseram termo a essa situação. Também existem relatos de cerca de 1800 sobre os roma da Crimeia, segundo os quais alguns deles ganharam grandes fortunas com as suas actividades como astrólogos, ferreiros e músicos (cf. Haupt, 2006, p. 294).
Tudo isto tem de ser realçado, porque tais exemplos demonstram facilmente que os estereótipos correntes sobre o cigano não têm qualquer base de sustentação, e que são no essencial as condições sociais que influenciam o comportamento tanto dos grupos sociais como dos indivíduos. Além disso, eles demonstram que a história da perseguição dos ciganos tem de abster-se de generalizações fáceis, mesmo que se possa partir do princípio que a expulsão e a vontade de eliminação constituem de facto a característica fundamental do anticiganismo. É igualmente digno de nota que, contrariamente à Alemanha do pós-guerra, na França do final dos anos 40 se procurou explicar a situação específica dos ciganos por meio dos problemas sociais e não de um suposto “mau carácter” – o que teve como consequência uma política social condizente; cf. Margalit, 2001, p. 100).
5. Anti-semitismo e anticiganismo
Ao historiador Wolfgang Wippermann cabe o mérito de ter sido o primeiro a fazer um estudo comparativo entre o anti-semitismo e o anticiganismo. Assim, por exemplo, tanto os judeus como os ciganos tinham fama de manter uma íntima ligação com o diabo. Existem igualmente paralelismos entre a figura do judeu errante, Aahsverus, condenado a percorrer o mundo sem descanso, e a do cigano errante. Se os judeus dispunham de salvo-condutos e eram tolerados, pelo menos em algumas regiões, os ciganos foram banidos no dealbar da Modernidade, ainda que também eles, por vezes, conseguissem obter um salvo-conduto. Pelo contrário, nunca existiu uma declaração colectiva que condenasse os judeus ao estatuto de banido. Os ciganos, enquanto “povo oriental”, sofreram diversas tentativas das sociedades de acolhimento para os civilizar. Também houve a intenção de sedentarizar os sinti e roma, intenção hipócrita, visto que ao mesmo tempo foram alvo de sucessivas expulsões. Ainda que em certos períodos tenha existido uma sobreposição entre o estereótipo do cigano e o do judeu de Leste, o judeu, pelo contrário, tinha fama de super-homem e de ultracivilizado. "Porém, enquanto os campos de concentração erigidos com destino aos judeus de Leste, ou melhor contra eles, voltaram a ser encerrados em 1923, devido a veementes protestos públicos, os campos de concentração para ciganos mantiveram-se até 1933, porque ninguém, mas mesmo ninguém, nem os judeus, nem tão-pouco o movimento operário alemão, e muito menos ainda os intelectuais de esquerda alemães, ficou um pouco escandalizado que fosse com o facto de os sinti e roma da Alemanha serem alvo de discriminação racial, mantendo-se como cidadãos de segunda, e até mesmo de terceira classe, estatuto que os judeus alemães apenas voltaram a ter na época do Nacional-Socialismo" (Wippermann, 1997, p. 240). Estes são apenas alguns pontos de comunidade e diferenças entre o anti-semitismo e o anticiganismo referidos por Wippermann.
Como historiador, Wippermann queda-se compreensivelmente no plano histórico-empírico. A nós, contudo, interessam-nos os pontos em comum e as diferenças entre o anti-semitismo e o anticiganismo, sobretudo tendo em vista uma teoria da dissociação-valor que permita exercer a crítica da sociedade. A esse respeito, Franz Maciejewski dá-nos algumas indicações preciosas ao falar no “âmago psicológico do anticiganismo”: "No confronto com uma fase de desenvolvimento da própria civilização que se julgava superada, entrevê-se por instantes um tempo mágico-arcaico; convicções primitivas confirmam-se, reavivam-se desejos regressivos e um medo mítico. A culpa dos sinti e roma – se quisermos ter o pouco juízo de pôr a questão nestes termos – consiste em ter despertado (…) aquilo que se tinha recalcado, em ter trazido à luz do dia os fantasmas. A morada da própria alma está assombrada. Os ciganos trazem esta péssima mensagem e em troca recebem a morte. A sua eliminação equivale à tentativa de dominar o ‘odiado chamamento irresistível de regresso à natureza’" (Maciejewski, 1996, p. 20).
Como foi demonstrado, os ciganos são, neste contexto, um sinónimo da incapacidade de vinculação e da recusa do trabalho. A partir duma perspectiva crítica do trabalho, Schatz e Woeldike empreendem a comparação com o anti-semitismo: O "anticiganismo constitui um complemento da projecção anti-semita. Ao passo que ‘os judeus’ eram considerados os expoentes e autores da modernização social, mas sobretudo como beneficiários desavergonhados do potencial emancipatório correspondente, os chamados ciganos faziam o papel de ‘representantes do mundo extinto da Pré-modernidade, do próprio antigo da cultura europeia’. O ódio ao não-trabalho consiste, portanto, tanto no ódio a uma possível supressão do trabalho, dos ‘proventos do trabalho’, enquanto base do progresso social, como no ódio à recordação de uma vida sem as fricções da sociedade do trabalho" (Schatz/Woeldike, 2001, p. 123).
Ao passo que os ciganos são considerados inferiores, no ideário anti-semita os judeus são associados sobretudo ao poder e à dominação no capitalismo. "No entanto, o que ambos têm em comum é o mecanismo que através da exclusão e da perseguição física do ‘não idêntico’, permite um aparente desagravo psíquico, por um lado e, por outro, permite a projecção para o exterior de desejos reprimidos. Este mecanismo pode ser designado por uma fantasia negativizada, no sentido de um ódio a si próprio que se expressa no ódio aosoutros’ (...).Aquilo que nós não podemos ter, ninguém mais deve possuir. Há que exorcizar a própria ‘ideia de felicidade’" (Schatz/Woeldike, ibidem). Neste contexto, é importante realçar que o anticiganismo, ao contrário do anti-semitismo, constitui uma forma de “racismo romântico”, intimamente ligado às ideias de penúria social e perseguição, querendo transmitir a seguinte mensagem, em especial junto das “pessoas simples”: Logo vereis onde ides parar se tolerardes uma coisa destas. E de pronto espreita a queda na associalidade, na não-integração e na exclusão social. De certo modo, talvez se possa dizer: o judeu é o cigano da classe superior, ao passo que o cigano é o judeu da classe inferior.
Poder-se-ia até ponderar, pelo menos até ao fordismo, se o cigano não teria correspondido muito mais à ideia de felicidade das massas do que o judeu, especialmente se tivermos em consideração que na fase fordista uma parte esmagadora da população era de facto ainda composta por operários e camponeses. A cantiga sentimental, a feira popular, o circo e também, de um modo inconsciente, a ideia de “dar o fora”, associados ao estereótipo do cigano, certamente estavam mais próximos do sentimento de felicidade das “pessoas simples” do que o estereótipo dos judeus, imaginados como ricos e poderosos, que representavam uma cultura burguesa que lhes era estranha. Mesmo que o denominador comum se possa encontrar na acusação de serem “parasitas avessos ao trabalho”, talvez primariamente tivesse sido dos ciganos que emanava o sedutor “canto da sereia”, à medida que ia sendo também exigida cada vez maior autodisciplina aos elementos subalternos da “cultura dominante” (cf. Horkheimer/Adorno, 1973, p. 57).
Contrariamente a outros selvagens, por exemplo, os índios ou os nativos das ilhas dos mares do Sul, que também foram equiparados à natureza, o cigano, por seu lado, é parte integrante da própria cultura e da sociedade em que se vive. Os ciganos são, desde o início da Modernidade, em tudo parte integrante do próprio Ocidente. Margalit escreve a respeito da Alemanha que "os sinti – os ciganos alemães –, algumas gerações depois da sua chegada à Alemanha, tinham passado de desconhecidos estranhos a ‘outros’ nossos conhecidos e parte integrante da cultura e do folclore alemães, de uma forma semelhante à dos judeus” (Margalit, 2001, p. 33). Para além disso, o cigano desempenha – ou desempenhava – determinadas funções económicas desde o início da sua presença no Ocidente e professa a mesma religião que os membros da “cultura dominante”, se bem que com alguns temperos de magia, o que lhe vale a reputação de uma relação “leviana” com a religião. A circunstância de ter entrado em simbiose com a “cultura dominante”, mesmo no domínio musical – visível em fenómenos como o czárdás ou o flamenco –, sendo reconhecido que até se aprimora nessa actividade e atinge algum virtuosismo, torna-se a sua perdição. Por esse motivo e porque, contrariamente ao negro, não se deixa escravizar, o cigano é perseguido; ele recorda aos membros da “cultura dominante” o medo perpétuo do deslizamento para a associalidade. Assim sendo, o racismo que visa o cigano, ao contrário de outros tipos de racismo – analisaremos com mais detalhe outros exemplos – configura o homo sacer par excellence no interior da própria sociedade moderna.
6. Homo sacer e os ciganos
Nos últimos anos, o livro de Giorgio Agamben O Poder Soberano e a Vida Nua – Homo Sacer fez correr muita tinta (Agamben, 2002) [Agamben, 1998]. Parece-me que este livro nos dá muitas pistas, especialmente no que respeita ao significado do anticiganismo no capitalismo, mesmo que o próprio Agamben não lhe dê o merecido destaque, pois menciona uma única vez o anticiganismo dos nacional-socialistas, brevemente e de passagem. Para o poder fundamentar, vou começar por enumerar algumas das ideias fulcrais de Agamben contidas nesta obra. Em sintonia com Carl Schmitt, Hannah Arendt e Walter Benjamin, Agamben parte do princípio de que o estado de excepção constitui o “Nomos” da Modernidade, o fundamento secreto do direito e da política. Na excepção, "aquilo que é exterior é aqui incluído não simplesmente através de uma interdição ou de um internamento, mas suspendendo a validade da ordem, isto é, deixando que ela se retire da excepção, que a abandone. Não é a excepção que se subtrai à regra, mas a regra que, ao suspender-se, dá lugar à excepção e apenas deste modo, mantendo-se em relação com a excepção, se constitui como regra. A ‘força’ particular da lei consiste nesta capacidade de se manter em relação com uma exterioridade" (Agamben, 2002, p. 28).
Para Agamben, a soberania assume a forma de uma decisão sobre a excepção – ou seja: sobre a vida –, o que "implica a sua própria suspensão". Neste contexto, Agamben introduz o conceito de "bando (banimento)" [Bann]: "Retomando uma sugestão de Jean-Luc Nancy, chamamos bando (…) a esta potência (…) da lei de se manter mesmo quando ausente, de se aplicar desaplicando-se. A relação de excepção é uma relação de bando. Quem é banido não é simplesmente posto fora da lei, de modo que esta lhe seja indiferente, é abandonado por ela, ficando exposto e em risco no limiar em que vida e direito, exterior e interior se confundem” (Agamben, 2002, p. 39). O bando "é uma forma de relação (…) a pura forma do estar-em-relação-com-algo em geral, isto é, a simples posição de uma relação com o que está fora da relação" (Agamben, ibidem). Neste âmbito, o indivíduo é despromovido a um “mero corpo”, a uma “vida nua”. Aqui desempenha um papel decisivo a figura do homo sacer que deu o nome ao seu livro e que provém do direito romano arcaico. O homo sacer é um banido, um fora-da-lei, que resvala para fora do direito, porém, precisamente por isso, é incluído nele – pode ser morto impunemente, mas não pode ser oferecido em sacrifício.
Segundo Agamben, é o campo de concentração e não a prisão o local onde o estado de excepção acaba por se realizar. É ele o "paradigma biopolítico (...) da Modernidade" (Agamben, 2002, p. 127 ss.), o local "que se abre quando a excepção começa a tornar-se regra" (Agamben, 2002, p. 177). Isso exprime-se especialmente nos campos de concentração do Nacional-Socialismo, mas não somente neles. Judeus, deficientes, doentes mentais, “vida indigna de viver”, todos eles são aqui reduzidos à vida nua, são assassinados e abusados em experiências médicas. Agamben vê o estado de excepção a renascer, precisamente nos dias de hoje, de um processo de crise e decadência, como é o caso da decomposição da organização estatal no bloco de Leste, que conduz ao estabelecimento de campos de concentração e a “abusos ilegítimos” como, por exemplo, violações em massa; a manifestações que para Agamben são precisamente o pressuposto do direito – um mau presságio [Menetekel] para o mundo inteiro. Assim sendo, segundo Agamben todos os seres humanos são homines sacri em potência (veja-se por exemplo Agamben, 2002, p. 124). Com isto, no entanto, como Deuber-Mankowsky critica a Agamben com toda a pertinência, "todos nós somos judias e judeus em potência, designados pelo autor como representantes por excelência e quase que um símbolo vivo do ‘povo’, dessa ‘vida nua’ produzida inevitavelmente pela Modernidade no seu próprio seio, mas cuja presença já não consegue suportar de forma alguma’" (Deuber-Mankowsky, 2002, p. 107). Torna-se aqui “claro como funciona o pensar no caso de excepção e aonde conduz. A orientação pelo extremo, fazendo a promessa do mais concreto, conduz ainda assim à abstracção pura e vazia, como revela a generalização banalizadora de que somos todos homines sacri em potência. O que em si não é apenas uma afronta ao sofrimento concreto das vítimas e dos seus familiares. Além de nivelar as diferenças entre as vítimas e os malfeitores, entre as testemunhas e os que nasceram depois, também apaga as diferenças existentes e em vias de se agravarem com a imposição da globalização e das tecnologias de reprodução (...) entre ricos e pobres, entre o Norte e o Sul, entre os que adequam à norma e os que dela se desviam” (Deuber-Mankowsky, ibidem).
No entanto, é de estranhar que Deuber-Mankowsky, à semelhança de Agamben, não refira sequer o anticiganismo. Antes de comentar de mais perto este facto, quero passar em revista alguns aspectos da reinterpretação de Agamben, feita por Robert Kurz em termos de crítica do valor. Kurz associa as teses de Agamben à "constituição da política e da economia, do trabalho abstracto e da máquina estatal" da Modernidade, tendo como foco de atenção a forma vazia da lógica da economia empresarial (Kurz, 2003, p. 351). Porém, o que Kurz simultaneamente não identifica é a lógica da dissociação, ou seja, que esta lógica da economia empresarial, para poder existir, necessita de um contradomínio “feminino” a ela associado de forma dialéctica e que obedece a uma outra lógica temporal, sucedendo que às mulheres, como “seres naturais domesticados”, são atribuídas a sensualidade, a emotividade, as fraquezas de carácter, entre outros. Isto quer dizer precisamente que a dissociação não é “a excepção”, mas sim a regra, associada à necessidade de educação dos filhos e dos cuidados com os doentes, os velhos etc., assim como à reprodução da força de trabalho. A lógica da dissociação-valor é, portanto, o pressuposto do estado de excepção, articulado consigo, que torna visível a não-identidade oposta à regra, que tem de ser encarada na sua qualidade própria – em particular, tendo em vista os diversos agrupamentos sociais e as formas de exclusão. A este respeito é necessário realçar, uma vez mais, que a dissociação-valor não é um princípio rígido, mas um processo; ou seja, modifica-se no decurso do desenvolvimento histórico e sofre metamorfoses (vd. Scholz, 2000).
Neste contexto – segundo Kurz – o "capitalismo é o paradoxo de um encargo permanente com carácter extraordinário. Tratou-se (na história do capitalismo, R. S.) de converter a totalidade do processo social de reprodução num único ‘processo de criação de dinheiro’ ou de ‘multiplicação de capital’ e as pessoas em máquinas abstractas de trabalho e de produção desta ‘lei’ que começou por ser exterior e imposta pela força. (...). Os indivíduos ‘brancos’, submetidos no estado de excepção permanente, puderam (no processo de colonização externa, R. S.) comportar-se como sub-autoridades perante os submetidos ‘de cor’, enquanto estes últimos nunca puderam deixar para trás de forma definitiva o estado primitivo e constitutivo de redução total à ‘vida nua’. O espaço social da inclusão excludente, da redução à ‘vida nua’, foi desde o início um espaço de coacção. Nos primórdios da Modernidade, o campo de concentração ainda tinha o nome de uma casa (...). A casa dos pobres, a casa do trabalho, a casa de correcção, a casa dos doidos, a casa dos escravos – as ‘casas do horror’ nas quais se exercitava o trabalho abstracto sob mando alheio, o que assumia uma forma exemplar para a sociedade no seu todo, processo que se intensificou nos campos de concentração das posteriores ditaduras de modernização e de crise. Este estado de excepção original tornou-se a normalidade moderna, que subjaz a qualquer estado de direito" (Kurz, 2003, p. 354).
Kurz refere, a este propósito, um “estado de excepção coagulado. Apenas na esfera privada os indivíduos se encontram ao abrigo deste estado e desta coacção; dever-se-ia falar aqui mais precisamente, em termos estruturais, de indivíduos masculinos que contam com o papel desempenhado pela mulher como “ser natural domesticado”. "A capacidade jurídica dessa existência encontra-se associada à sua capacidade de redução, e é por isso que a ‘vida nua’ constitui o âmago do ‘indivíduo livre e autónomo’. No entanto esta autonomia não é outra coisa senão a interiorização do estado de excepção permanente e coagulado, fruto de um processo repressivo e auto-repressivo de habituação, que durou vários séculos – designado por Norbert Elias, de forma descaradamente apologética, ‘processo civilizacional’. A busca da felicidade que lhe está associada, na roda de hamster da concorrência universal, apenas pode desembocar na desolação mais completa" (Kurz, 2003, p. 355).
Kurz parte da “liquefacção do estado de excepção” e da soberania no processo de crise. O estado de normalidade do “estado de excepção coagulado” é agora suspenso. Sucede então uma apropriação da “vida nua”, para além da vida do trabalho, por parte das instituições da “soberania”. No entanto, a crise mundial da “terceira revolução industrial” distingue-se das crises anteriores pelo facto de actualmente ser a soberania que "começa a liquefazer-se, porque o próprio espaço de exclusão inclusiva está a dissolver-se (...). A soberania, na medida em que ainda existe, reage de forma reflexa com as suas habituais medidas de crise, embora estas se revelem vãs" (Kurz, 2003, p. 356). O trabalho forçado e neste contexto o baixo salário, o campo de concentração, a administração das pessoas etc., são agora activados num novo patamar de degradação para lidar com os supérfluos na crise da sociedade do trabalho. Eles vão sendo sucessivamente empurrados para fora do estado de direito.
Contrariamente a Agamben, porém, Kurz não parte simplesmente do princípio de que hoje somos todos homines sacri em potência, mas assume diferenciações. Desde o início houve todo o tipo de supérfluos: velhos, deficientes, mendigos, desempregados de longa duração etc., por um lado e, por outro, "judeus como personificação do poder e da alienação, nos quais se projectava o enorme potencial de alienação da sociedade fetichista moderna". Neste contexto deve distinguir-se entre campos de concentração, prisões, casas de trabalho e Auschwitz, na medida em que este último foi “o campo de extermínio pelo extermínio”, não tendo qualquer outra finalidade (Kurz, 2003, p. 360s.). E mesmo hoje, no período de desagregação do capitalismo, processa-se a "exclusão inclusiva (...) segundo um modelo racista e anti-semita cuja estrutura se polariza na definição de uma ‘vida indigna de viver’, por um lado, e na projecção fantasmática de um princípio de ‘raça alienígena’ que tem de se exterminar, por outro" (Kurz, 2003, p. 362).
Ora, o que chama a atenção é que tanto na crítica de Deuber-Mankowsky como na de Kurz a Agamben, apesar de toda a insistência nas diferenciações, falta a referência aos ciganos que, tendo sido assassinados em Auschwitz à semelhança do que sucedeu com os judeus, afinal não são tidos em conta de forma nenhuma. Os ciganos, como grupo populacional, não só foram considerados "raça estrangeira", como os judeus, mas também foram realmente declarados “banidos” (vogelfrei) várias vezes na história da modernização, contrariamente aos judeus. Temos de repetir e recordar algumas das afirmações sustentadas até agora, para demonstrar a real dimensão do drama do anticiganismo na Modernidade e no capitalismo, destacando, neste contexto, o papel de homo sacer do cigano, que no fundo é evidente. Neste ponto temos de referir mais uma vez Wolfgang Wippermann: "Não conheço nenhum fenómeno paralelo, em que todo um grupo étnico, todo um povo tenha sido declarado como banido. Este é um caso à parte na história jurídica alemã" (Wippermann, 1999, p. 95). A perseguição aos ciganos explica-se, por um lado, pelo processo de imposição da disciplina na Modernidade e pelo surgimento da “ética protestante” e, por outro, pela “xenofobia”, à qual os vadios e os mendigos foram poupados. Esta prendia-se com a imputação de poderes mágicos e a recriminação aos ciganos, devido à sua tez escura, de estarem aliados com o diabo. Já havia um anticiganismo religioso antes mesmo do anticiganismo racista.
Como demonstrámos neste ensaio, no século XX já tinha havido “campos de concentração para ciganos” na República de Weimar: "Os sinti e roma continuaram a ser discriminados como dantes, embora fossem cidadãos alemães, pagassem impostos e estivessem obrigados a prestar serviço militar (...). Em diversas cidades, os sinti eram obrigados a viver em ‘campos para ciganos’, alguns dos quais, por exemplo, em Frankfurt, eram mesmo oficialmente designados por ‘campos de concentração’" (Wippermann, 1999, p. 101). A “característica cigana” era já assinalada desde meados do século XIX em registos especiais e nos documentos de identificação. Além disso, recordemos: "Os sinti e roma eram um grupo populacional discriminado de uma forma sem paralelo, destituído dos seus direitos e vigiado por motivos primariamente racistas. Estavam submetidos a leis especiais e eram cidadãos com direitos reduzidos" (Wippermann, 1997, p. 114 s.), tanto nos tempos do Império como na República de Weimar, embora as “leis sobre os ciganos” fossem claramente inconstitucionais. Sem referir os sinti e roma na sua argumentação, como já dissemos, Robert Kurz constata o seguinte: "O que caracteriza o estado de excepção propriamente dito, como raramente existiu antes da Modernidade, é uma manifestação particular da ‘anormalidade’, acompanhada de um modo específico de internamento de partes significativas da população; afinal é daí que provém o conceito de ‘campo de concentração’. Não se trata, neste caso, de prisões convencionais enquadradas pelo direito penal, mas de ‘registos’ anteriores ou exteriores a todo o direito. Neste caso, o registo vai para além da acção de instâncias mediadoras; torna-se imediato" (Kurz, 2003, p. 352).
No fundo, na Modernidade foi imposto aos sinti e roma um estado de excepção permanente. No período do Nacional-Socialismo, os sinti e roma foram assassinados nos campos de concentração por batalhões policiais e militares, em parte sem necessidade de ordens vindas “de cima”. Depois de 1945 nem todos conseguiriam reaver os seus passaportes alemães e foi-lhes negada uma indemnização adequada. Como vítimas do Porajmos, os sinti e roma permanecem até hoje muitas vezes sem que tenham recebido a atenção merecida. O tratamento e o registo especiais prolongaram-se depois de 1945, em parte até hoje. Assim já tinha sido desde o dealbar da modernidade: "Com a estigmatização dos ociosos sem pátria, o estereótipo do cigano não visa repelir estranhos vindos do exterior, mas depurar as próprias fileiras daqueles que parecem responder à moral burguesa do trabalho com incapacidade ou má vontade. Não se refere a actos concretos de desobediência ou a faltas comprovadas; almeja antes a discriminação e a rejeição de um modo de vida. Diz-se que os ciganos não levam uma vida nómada nem roubam por necessidade, mas sim por paixão, que não quebram a lei ocasionalmente, mas que vivem fora da lei. Não ter senhores não seria um estado acidental provocado por acontecimentos fortuitos, mas o modo substancial da existência cigana" (Hund, 1996, p. 24).
A despeito de os ciganos serem homines sacri par excellence, como comprova a história da sua perseguição, eles são sempre esquecidos, até mesmo nas exposições críticas do racismo. Ora é precisamente neste esquecimento que se reflecte a circunstância de o cigano ser supérfluo mesmo entre os “supérfluos”, de representar, por assim dizer, o homo sacer do homo sacer, que de certo modo constitui o arquétipo do homo sacer, o homo sacer originário. O anticiganismo é, de uma forma peculiar, o pária entre os vários tipos de racismo. O cigano representa, na construção racista e associal, o último dos homens na sociedade, a “escumalha”, como declarou Heinrich Moritz Gottlieb Grellmann, o perito em ciganos alemão do Iluminismo (citado a partir de Ufen, 1996, p. 75). Representa assim o exemplo por excelência a não seguir pelo cidadão normal; mostra-lhe “onde ele vai parar” se não agir como deve ser e não obedecer, comportando-se antes como um cigano. Segundo Grellmann, os ciganos deviam ser “integrados” na camada mais baixa da sociedade, como trabalhadores sem privilégios, encarregados dos piores serviços e submetidos a processos de reeducação condizentes (cf. Ufen, 1996, p. 86).
Nunca será suficiente realçar o seguinte: "A natureza dupla do estereótipo do cigano tornou-se manifesta com a etnicização iniciada pelo Iluminismo e reforçada durante o século XIX. Ele demonstra a dialéctica da discriminação racista. Legitima a opressão e o paternalismo perante raças supostamente subdesenvolvidas, por parte de povos que atestam a si próprios uma origem nobre. Além disso, permite aos estratos sociais inferiores desses povos, eles próprios socialmente discriminados, o desenvolvimento ou o reforço de ideias de superioridade e de pertença. Ao mesmo tempo, porém, não lhes permite que esqueçam um só segundo que um fracasso perante as imposições da sociedade de classes poderia ser interpretado, não como uma dificuldade passageira ou um golpe imerecido do destino, mas como sinal de inferioridade rácica. Alem do mais, a construção moderna do cigano é especialmente flexível, pois permite a conversão recíproca de atributos sociais e raciais. As suas duas faces, a do nómada alienígena e primitivo e a do associal ocioso e criminoso, podem ser doseados a preceito conforme as necessidades e com toda a flexibilidade" (Hund, 1996, p. 32). Esta ligação estrutural à associalidade é o que distingue o cigano do sub-humano de cor no processo da colonização, bem como do sub-humano eslavo, também visado pelos nacional-socialistas e destinado a servir de escravo aos alemães.
Para melhor podermos pôr em destaque a função do cigano como homo sacer, contudo, são necessárias não só análises ou estudos de filosofia do direito e de economia política, sobre a forma como o cigano é representado no discurso, mas também reflexões psicanalíticas. Apenas assim pode ser entendida a totalidade da síndrome anticiganista – consequentemente, a sua função de homo sacer como pressuposto fundamental do capitalismo – já desde os primórdios da modernidade: "A dureza das medidas não se deve ao peso do comportamento desviante de uma minoria com pouca importância numérica; pelo contrário, explica-se pelo medo que ‘a desobediência e a insolência’ pudessem contagiar a população maioritária. Fala-se da falta de lei dos ciganos, mas o que se quer referir é a obediência minguante dos súbitos. No entanto, os sinti e roma não fazem falta apenas como papões, mas servem à população potencialmente inquieta como objecto do seu ódio muito concreto. Quando o súbdito se sente em conflito, oscilando entre o impulso de sublevação e o respeito pela autoridade, essa mesma autoridade, pelo desvio da projecção, oferece-lhe a realização a um tempo de ambos os impulsos opostos. A violência anticiganista permite a cedência perante o desejo de desforra, sentindo ainda assim a sua realização como expressão de uma obediência respeitosa, nomeadamente como resposta às ordens do poder vigente. Nesta confluência entre a estrutura dos impulsos dos súbditos e o instinto de poder das autoridades, reside o segredo do êxito da propaganda anticiganista” (Maciejewski, 1996, p. 19).
Os velhos, os doentes e os deficientes como categorias de gente supérflua “não têm culpa”, mas os ciganos desde sempre revelam um comportamento dolosamente desviante; a eles nega-se toda a compaixão e simpatia, mesmo que no fim de contas acabe por se considerar que não sabem viver de outro modo (cf. Hund 1996, p. 25). Com um cinismo penetrante poder-se-ia mesmo dizer: é precisamente isso que o cigano tem de mais belo. De vontade própria ele não quer outra coisa! É, por assim dizer, um homo sacer, um banido, um sem-lei por paixão. Esta não é apenas a ideia do anticiganista empedernido, mas também a do romântico.
Os ciganos, como homines sacri par excellence, representam não apenas a ralé da sociedade, o fundo da escala social, como sucede na perspectiva anticiganista, mas o seu próprio fundamento: "O trabalho (...), a força de trabalho valorizável e dependente, é o critério da Modernidade, não somente a partir do Iluminismo, mas desde o início do processo de construção do cigano, para separar aqueles de quem afinal sempre se pode esperar alguma utilidade, se lhes for aplicada uma coacção sadia, dos que têm de ser descartados como completamente inúteis" (Ufen, 1996, p. 84). No fundo, o cigano, que vive num eterno estado de excepção e é fichado o mais possível pelas instituições da soberania, é o “Nomos” da Modernidade. Quase que por encomenda, ele aparece na viragem para a Modernidade. Também é muito significativa a forma como este racismo específico é obscurecido por quem se dedica ao estudo do fenómeno dos racismos. É precisamente este gigantesco ponto cego que remete para a dimensão profunda do anticiganismo na Modernidade e no capitalismo.
No entanto, cumpre mencionar que também existem problematizações discutíveis do cigano como sub-humano, embora sejam mais raras. Está sempre à disposição a variante segundo a qual o Holocausto é relativizado pelo Porajmos (cf. Margalit, 2001). Como se uma coisa pudesse servir de arma de arremesso contra a outra! Poder-se-ia imaginar a seguinte situação, para mais na era da globalização em que vivemos, na qual muitos dos membros da “cultura dominante” se encontram também sob a ameaça de se tornarem supérfluos: assim como se diz que os judeus dominam os bancos, a política e os média à escala planetária, de repente um ou outro alemão ou europeu pertencente à cultura dominante poderia descobrir a sua atitude “prociganista”, que até à data terá estado soterrada ao longo de décadas – enquanto posições profundamente anti-semitas se encontram em 20% da população, as atitudes anticiganistas atingem dois terços da população; cf. Margalit, 2001, p. 191). Os gafanhotos e os judeus “lá de cima” descem sobre nós “cá em baixo” que assim nos tornamos estrangeiros e ciganos. Afinal os ciganos e nós estamos no mesmo barco, como vítimas da conspiração mundial judaica, ao passo que os judeus parasitas se encenam como vítimas por excelência, à custa de todos! Porém, é mais que improvável que semelhantes projecções filociganistas possam alcançar a hegemonia discursiva. A "história ensina-nos que o anti-semitismo e o anticiganismo têm sido como vasos comunicantes. Um reforço do anticiganismo teve sempre por consequência imediata o aumento do anti-semitismo" (Wippermann, 2005, p. 136), enquanto o anticiganismo passou despercebido, porque, como afirmo, o cigano representa – ceterum censeo –precisamente o homo sacer par excellence. Na exposição que se segue vou referir-me com mais detalhe às formas que assumem hoje em dia as posições anticiganistas e o que tudo isso significa no âmbito da tendência contemporânea para nos tornarmos supérfluos, para nos convertermos em homines sacri na era da globalização.
7. O romantismo de esquerda e os ciganos
Como já assinalámos, a esquerda classificava tradicionalmente os ciganos como pertencendo ao lumpenproletariado, o que significa que sendo ciganos já lhe pertenciam desde sempre. Como humilhados e ofendidos prototípicos, “tortos” e “falsos” que afinal não passam de ciganos, porventura inteiramente merecedores do tratamento que lhes é dado, eles nunca precisaram de ser expressamente mencionados. Na verdade, não dariam qualquer contributo para a emancipação, que por princípio era concebida como fundada na ontologia do trabalho. Em conformidade com esta ideia já Marx, no Dezoito de Brumário de Louis Bonaparte, vê o lumpenproletariado como "dejecto, lixo, escória de todas as classes", incluindo no rol do lumpenproletariado as seguintes personagens: "Para além de roués (devassos, R.S.), com meios de subsistência duvidosos e de duvidosa proveniência, a que se juntam herdeiros arruinados e aventureiros da burguesia, havia vagabundos, soldados desmobilizados, presidiários libertados, galerianos desertores, vigaristas, saltimbancos, lazzaroni (bandidos, R. S.), carteiristas, ilusionistas, jogadores, maquereaux (proxenetas, R. S.), donos de bordéis, carregadores, literatos, tocadores de realejo, trapeiros, amoladores, caldeireiros, mendigos, em resumo, toda essa massa indiferenciada, dissoluta, atirada de um lado para outro, a que os franceses chamam la bohème" (MEW, Bd. 8, 1982, p. 160 s.). É indiscutível que os ciganos também estão aqui incluídos, por exemplo quando Marx refere os jogadores, os amoladores, os caldeireiros, os trapeiros e outras actividades que tradicionalmente eram “profissões de ciganos”. Claro está que a mendicidade, o furto e o ser-se cigano andaram sempre estreitamente associados, etc. Também para Marx, o estereótipo do cigano e a associalidade são vasos comunicantes.
No socialismo real, o modo de vida atribuído aos ciganos era difamado como sendo “pequeno-burguês” e eles eram sedentarizados à força. E pior ainda: "Também na Roménia comunista estavam previstos trabalhos forçados para os roma. No decreto n° 153 do ano 1970, o ‘parasitismo social’, a ‘anarquia’ e o ‘desvio do modo de vida socialista’ eram punidos com pena de prisão ou com trabalhos forçados. Embora os roma não fossem explicitamente referidos, como de costume na ditadura de Ceausescu, eram eles os principais visados por esta lei" (Haupt, 2006, p. 194).
A situação já foi diferente, por exemplo, no final dos anos setenta, início dos anos oitenta, por altura do movimento alternativo ocidental. Nessa altura os ciganos foram descobertos como “resistentes” perante as imposições do capitalismo industrial. A intenção de Gronemeyer e outros, que nos anos setenta e oitenta elaboraram na Universidade de Gießen um projecto de “ciganologia” [Tsiganologie] – um conceito novo, por oposição à antiga “investigação sobre os ciganos” [Zigeunerkunde] – é de "descrever a sua história, mas não apenas como a história de vítimas, porque semelhante abordagem lhes retira dignidade enquanto actores sociais. A descrição da perseguição não deve encobrir que, nas condições impostas por um mundo circundante extremamente hostil, desenvolveram capacidades extraordinárias de imaginação e de mobilização de forças para ainda assim conseguirem sobreviver" Gronemeyer/Rakelmann, 1988, p. 22). Afirma além disso o seguinte: "Ao lidarmos com o tema dos ciganos, hoje (...) já não pode existir qualquer neutralidade científica, apenas formas comprometidas, interessadas de investigação. Não se pode tratar de um prolongamento da ciência policial, mas apenas da designação das vítimas e da descrição da agressividade da cultura sedentária" (Gronemeyer, 1988b, p. 219).
É perante este pano de fundo que agora se intenta, por assim dizer, uma reconstrução da cultura dos ciganos na mudança social. O ponto central de uma crítica a este projecto é a seguinte observação, que foi sendo repetida ao longo do tempo: "Na ciganologia, a imagem convencional dos ciganos passa por uma metamorfose. A raça transforma-se em obstinação e a associalidade em flexibilidade. A alegre vida dos ciganos converte-se na liberdade de um sujeito resistente. O que tradicionalmente era designado por primitivismo passa agora por alternativa ao modo de vida da sociedade dominante. Os ciganólogos sujeitam os padrões e as justificações da discriminação a um processo de reavaliação" (Niemann, 2000, p. 35). E "a suposta resistência dos ciganos torna-se o veículo da crítica da civilização, já que os ciganos se terão subtraído aos constrangimentos da população maioritária" (ibidem, p. 37). Tentar-se-ia, deste modo, formular a crítica social “por meio de uma representação romântica do modo de vida cigano" (ibidem, p. 37).
Em seguida vou fazer o elenco de alguns trechos que apoiam esta afirmação. Joachim Hohmann, um “perito em ciganos” que, embora não se encontre associado de forma directa ao projecto da ciganologia da Universidade de Gießen, redigiu alguns textos em cooperação com ele, escreve invocando Hans Schütte: "O comportamento dos ciganos é profundissimamente social, simplesmente encontra-se dirigido para o interior do grupo, canalizado na direcção do próprio clã, não tendo a pretensão de se aplicar igualmente ao ‘mundo exterior’, aos não ciganos. ‘Ninguém ostenta um enraizamento orgânico mais forte do que eles – mas é no interior da sua sociedade’, escreve Hans Schütte para prosseguir: ‘Eles têm as suas próprias leis e sanções não escritas, raramente os seus conflitos internos transpiram para o exterior, quase nunca um cigano recorre a um tribunal contra outro cigano’” (Hohmann, 1980, p. 107). Todos atestam aos ciganos o seu próprio modo de estar e as suas idiossincrasias. Também é esse o caso de Georgia Rakelmann: "Os ciganos desenvolveram formas magistrais de protegerem a sua identidade cultural – as suas técnicas de sobrevivência. Estas aplicam-se em todos os níveis, como, por exemplo, as estratégias para viajar e acampar sem atrair as atenções, como uma caravana submersa por um exército de veraneantes, tal como a provocação e a dissimulação com recurso ao show encenado em cores berrantes – como é o caso quando inúmeras crianças esfarrapadas e descalças saem de um Rolls Royce dourado em plena rua comercial. A própria língua, o români, serve (...) de protecção (...). O aprofundamento científico da análise do fenómeno cigano não anulou as regras de trato entre os ciganos e os “gadjos” (no idioma români: os lavradores, os não ciganos) – pelo contrário, na resistência dos ciganos ao seu mapeamento e no esforço dos não ciganos no sentido de os perscrutar reflecte-se o facto de a relação em nada se ter alterado" (Rakelmann, 1980, p. 150). Rakelmann escreve também: "Na minha vizinhança vivem num prédio alto várias famílias de ciganos roma. Entre as viagens permanecem nos apartamentos, as caravanas dos familiares que os visitam lá se arrumam pelos parques de estacionamento das redondezas. Vivem no anonimato do seu prédio, fechados ao exterior da mesma forma que num acampamento às portas da cidade. Também o modo de vida dos ciganos nas metrópoles norte-americanas, com suas formas velhas e novas, indica que a cultura cigana não está de modo algum vinculada à vida na carroça estacionada nesta ou naquela clareira da floresta" (Rakelmann, 1980, p. 169 s.).
O controlo e a identificação sistemática voltam ciclicamente a ser a pedra-de-toque: "A regulamentação e o disciplinamento dos ciganos desde o seu aparecimento na Europa tiveram que ver também e sobretudo com as suas formas de ganhar a vida, que se situam antes de mais à margem do poder – na economia informal (...). Ora, a economia informal incomoda os governos. Como não podia deixar de ser, estes querem controlar, ordenar e dirigir. Deve-se à espantosa flexibilidade da cultura cigana o facto de ela ter conseguido sobreviver em nichos económicos e aí ter dado provas de uma capacidade estupenda de se modernizar. Para resumir anos e séculos em segundos: quando a venda de cavalos deixou de ser lucrativa, alguns comerciantes mudaram de ramo, para se lançarem no mercado de automóveis usados" (Gronemeyer, 1988c, p. 107). Na opinião deste autor, a tentativa de empurrar os ciganos para um trabalho assalariado regular e dependente fracassou (cf. Gronemeyer, 1988, p. 122).
Niemann critica na ciganologia a tese segundo a qual os ciganos se situam fora da sociedade do trabalho moderna (...). A suposta aversão ao trabalho duro, o pendor para a ociosidade, converte-se numa actividade na economia informal liberta dos constrangimentos actuais (...). O que antigamente era designado como não trabalho recebe agora a patine de uma alternativa ao modelo económico vigente" (Niemann, 2000, p. 41). E depois resume: "O cigano ciganológico é projectado nos antípodas de uma realidade descrita por conceitos como a disciplina, o trabalho dependente, a submissão, o controlo, a ordem e a arregimentação. Assim constitui o contraponto ao trabalhador da fábrica e ao empregado moderno – enfim, ao cidadão médio (...). A vida social e económica não estruturada em moldes industriais é considerada pelos ciganólogos impregnada de formas de organização como a tribo e a família" (Niemann, ibidem, p. 41 s.). Passamos então a ter diante de nós, de certo modo, a inversão positiva do papel e da existência de homo sacer na perspectiva romantizada.
Agora é necessário ter em mente que esta investigação “alternativa” da contracultura cigana se desenvolveu precisamente nos anos oitenta, na época dos movimentos alternativos, do feminismo, do movimento ecológico e pacifista, precisamente quando também estiveram em voga as concepções multiculturais e o “teorema da colonização do mundo da vida” de Habermas. Nesses dias, prevaleceram também no feminismo ideias de uma “nova feminilidade”. A ideia era ler os filósofos androcêntricos a contrapelo quanto às suas representações do feminino, a fim de extrair a “verdade” dos seus textos, verdade que neles apenas se encontraria sob uma estranha forma patriarcal. Descobriram-se os índios como guardiões de profundas verdades não ocidentais, de uma perspectiva ecológica do mundo etc. Nos anos noventa, as perspectivas deste tipo foram não só rejeitadas, mas fortemente criticadas como modos de pensar essencialistas, que construiriam uma “autenticidade” inexistente. Ocorreu uma “mudança de episteme”, para usar a expressão de Foucault. A partir daí o que ficou no centro das atenções foi a desconstrução e não a reconstrução de identidades. A intenção era questionar os estereótipos e as suposições identitárias tradicionais. Porém, é um facto que esta estratégia coincidia com uma tendência objectiva no âmbito da “globalização”, à qual as identidades rígidas já não davam jeito nenhum e que passava a depender de identidades flexíveis (cf. Scholz, 2000, p. 122 ss.).
Como consequência havia também uma vontade de assim demonstrar a "construção social do cigano" (Giere, 1996). E foi neste contexto que Gronemeyer & Cª ganharam a fama de serem, de certo modo, neo-produtores do estereótipo romântico do cigano. Atribuição que tem algum fundamento, como demonstram os textos reproduzidos neste ensaio. Num primeiro plano, quer-se devolver aos ciganos a “dignidade do agir”, no entanto, tal acontece sobretudo no contexto da reconstrução da cultura cigana, do modo de vida cigano, e menos no sentido da actuação indivídual – pelo menos no sentido burguês – pois o indivíduo segundo a tradição nem deve existir entre os sinti e os roma, devido à sua forte orientação para a família. Por outro lado, é necessário dizer que as palavras de Gronemeyer & Cª por vezes demonstram ser vincadamente “apropriadas à desconstrução”. Precisamente pela afirmação problemática de que a flexibilidade e a fluidez seriam, por assim dizer, características típicas da cultura cigana – sendo bastante frequente, na restante literatura especializada, a caracterização dos ciganos como sendo resistentes à mudança – estão numa boa situação para pôr em causa vários clichés. Para usar a terminologia pós-estruturalista, neste contexto partem do princípio de que qualquer cultura é desde sempre “híbrida”. Tentam, por exemplo, evitar as generalizações e ideias de pureza que são erradas, tal como qualquer perspectiva estereotipada da cultura cigana, ou pelo menos relativizá-las. Assim escreve, por exemplo, Rakelmann sobre o români e a “origem” dos sinti e roma: "(...) a busca de um passado indiano puro chega a um limite – a filologia deu uma pista, mas não pode fornecer um bilhete de regresso (...). A procura fanática de uma origem única dos roma quase dá a impressão de que existe a intenção de os devolver a uma qualquer procedência – pelo menos em termos teóricos, ‘em princípio’ eles devem ser de algum lado.(...) Desde o início a descoberta da pré-história dos ciganos era acompanhada por uma ideia de pureza que talvez também tivesse sido causada pelo espanto derivado da ligação desta minoria ao venerável sânscrito” (Rakelmann, 1988 a, p. 185).
Da mesma forma, Rakelmann rejeita as simplificações a respeito da subdivisão em “tribos”: "Seja qual for o critério adoptado para a subdivisão em tribos, quer seja a família linguística, o grupo profissional ou a nacionalidade, as tentativas de chegar a conclusões claras e inequívocas conduzem sempre a resultados enganosos. Na melhor das hipóteses dão uma ideia da subdivisão em tribos, na perspectiva daquele grupo que forneceu informações ao investigador. (...) Os poemas da autoria de uma poetisa polaca que escreve em români são poemas de língua estrangeira para os Gurbeti albaneses, os textos das canções em români de músicos sinti alemães mal são entendidos por um membro dos gitanos catalães. Mesmo assim, os linguistas encontram elementos comparáveis em todas as versões do români" (Rakelmann, 1988 b, p. 89 s.).
As investigações etnológicas que vão muito para além do nosso tema, na verdade, não nos importam. O que nos ocupa neste escrito é o anticiganismo, e esse provavelmente também existiria se não existissem os sinti e roma, aliás ciganos, uma vez que constitui uma necessidade intrínseca da subjectividade capitalista burguesa. Sob este ponto de vista os ciganos também poderiam ser uma invenção, no entanto com consequências fatais: o desprezo e a aniquilação de pessoas reais, que eles são na verdade. Em todo o caso é importante reter que a crítica da dissociação-valor tem de se afastar de qualquer tipo de romantização do “modo de vida cigano”, bem como da suposição e instrumentalização de uma pretensa “resistência” com ele associada. Precisamente hoje uma certa esquerda crítica do trabalho poderia, porém, no contexto da crítica meramente superficial do capitalismo, recuperar o cigano como ícone da resistência, uma questão a que voltaremos no decurso deste escrito. Como ficou demonstrado, o romantismo e a fascinação, por um lado, o desprezo e o extermínio, por outro, mais não são que as duas faces da mesma moeda anticiganista no capitalismo, em que os ciganos representam o homo sacer par excellence.
8. Os ciganos na Pós-Modernidade e o tabu da hibridez
Agora que vivemos na Pós-Modernidade, as formas de vida e as identidades tradicionais dissolvem-se, pelo que, de algum modo, todos têm “identidades híbridas” obrigatoriamente ultraflexíveis. Isto hoje chega ao ponto de ter de se “interiorizar” a aceitação da própria degradação social, na sequência da aprovação das leis Hartz IV, e de a flexibilização, vista como nova qualidade na primeira década do século XXI, se caracterizar precisamente pela disposição para se cristalizar na desclassificação dinâmica, no dentro e fora permanente, quando a crise fundamental do capitalismo se agudiza. Assim sendo, os ciganos afinal nem estão tão mal, pelo menos é o que parece à primeira vista. Bom, afinal não desaparecem eles hoje no meio da multidão de “estrangeiros”? De facto, verifica-se frequentemente que, na sequência dos processos de modernização, as tradições dos sinti e roma se estão a dissolver. Assim, um artigo da revista Spiegel, já em 1976, ostentava o título seguinte: Integrados e sem tocar violino; tratava-se de uma reportagem sobre a dificuldade dos músicos de bar em Budapeste encontrarem um continuador a quem transmitir a sua arte (Der Spiegel, 46, 1976, p. 178). Assim se pode ler numa revista dos roma: "A construção de uma colectividade, que se realiza sobretudo com recurso a categorias etnológicas – o clã, a tribo, o chefe, o povo – obscurece o processo de diferenciação, que hoje decorre entre os roma com a mesma rapidez que entre outras minorias; sobretudo entre novos e velhos, entre homens e mulheres, entre a família nuclear e a família alargada" (Jek cip, 1, 1993, p. 2).
Com efeito, Reimer Gronemeyer constatava em meados dos anos oitenta, nos seus polémicos estudos de ciganologia já referidos, que as “profissões ciganas” típicas, como amestrador de ursos, amolador, negociante de cavalos etc. não se tornaram simplesmente obsoletas, mas ressurgiram sob novas formas, como vendedor de automóveis, feirante, promotor de actividades de reciclagem. Ele concede, porém, que hoje deve ser possível encontrar ciganos em quase todas as profissões: "Há a psicanalista de Munique, a cabeleireira de Frankfurt, o analista de bases de dados de Estocolmo ou o operário fabril de Budapeste. Menyhert Lakatos na Hungria e Mateo Maximoff em França são escritores de sucesso. O pintor Serge Paliakoff e o guitarrista Django Reinhardt são artistas famosos, ciganos; podemos encontrá-los como matador de touros em Espanha ou como docente universitária em Praga. Não sabemos muito bem se terá sido sempre assim (…), mas é provável que sim: quanto a oficiais do exército e músicos, nem vale a pena falar, pois o resultado é certo e sabido. Os ciganos, por conseguinte, não se encontram obrigatoriamente encarcerados num gueto profissional" (Gronemeyer, 1988 c, p. 124). A conclusão é esta: "(...) não se pode medir todos pela mesma bitola, há ciganos ricos e ciganos pobres. Há os Mercedes com caravana atrelada, mas também os bairros de lata ciganos em Espanha" (Gronemeyer, 1988 b, p. 212), e pode dizer-se o seguinte: "Há muito quem viva entretanto como telhador, educadora de infância, mecânico de automóveis ou cabeleireira, sem que se veja qualquer relação com as velhas formas de os ciganos ganharem a vida" (Gronemeyer, 1988 c, p. 124). Também neste caso Gronemeyer não deixa de sair dos trilhos repisados do estereótipo corrente do cigano, que ele alegadamente perfilha, embora as suas investigações apresentem, sem dúvida, laivos de “romantismo social” (Zimmermann, 1996, p. 32).
Por isso, seria de esperar que as ideias de identidades híbridas, como as que se encontram nas concepções pós-coloniais, fossem também usuais há muito tempo a respeito dos sinti e roma. Mas não é o caso. Antes de aprofundar o tema, é necessário tornar claro o que se entende por “hibridez”. Sobre o assunto escreve o seguinte Elka Tschernokoshewa: "Na observação sob a perspectiva da hibridez, as diferenças são vistas, pesquisadas, consideradas e recortadas de forma igual. As diferenças culturais são estudadas não como dados da natureza, mas como constelações historicamente constituídas. Esta perspectiva de observação é muito sensível às diferenças entre culturas e às que existem no interior das culturas, sem as absolutizar nem as considerar inatas e imutáveis e, o que é mais importante, sem delas deduzir inexoravelmente todos os actos de uma vida. Neste sentido, acho que são de vistas curtas todas as formulações que procuram apresentar os mundos híbridos como um assunto que diz respeito aos socialmente privilegiados, muito viajados, globetrotters ou apenas a intelectuais ‘esclarecidos’. Tal como hoje ninguém se pode furtar ao processo da globalização, também ninguém pode reduzir-se a um único denominador (…) Por conseguinte, os momentos significativos para esta perspectiva de observação são, por um lado, o expresso e franco reconhecimento da diferença e, por outro, a tentativa de juntar conceptualmente diferença e similitude, alteridade e comunidade" (Tschernokoshewa, 2001, p. 72/73).
Desde meados dos anos noventa que se tornou moda no discurso feminista e pós-colonial a afirmação de diversas concepções de “identidades híbridas”. Significativamente, no debate sobre o anticiganismo, tanto quanto me é dado ver, pouco ou nada disso se encontra. Não é por acaso, aliás, que esta discussão é conduzida sobretudo por não ciganos, precisamente porque se mantém um tabu de hibridez, como eu sustento. Isso dever-se-á provavelmente à própria estrutura do anticiganismo, como interface do (etno)-racismo com a discriminação social simultânea, pelo que o cigano representa a categoria mais baixa na estrutura social, configurando o homo sacer par excellence do patriarcado produtor de mercadorias. Por isso mesmo, ele não se pode dar a conhecer em caso algum, ele quer fugir de si e ser simultaneamente ele mesmo. A rom Elisabeta Jonuz cita o seguinte passo de Birgit Rommelspacher: "Identidade múltipla significa que ninguém é apenas mulher ou homem, preto ou branco, alemã ou turca, rico ou pobre, mas mulher e branca, alemã e turca a um tempo e, dependendo do contexto em que a mulher se movimenta, passa para primeiro plano ora um, ora outro aspecto. Há que conceber o eu como um sistema aberto, no qual diferentes elementos de identidade vigoram ao mesmo tempo, se influenciam reciprocamente e mudam permanentemente de importância na relação que mantêm entre si” (Rommelspacher, cit. de Jonuz, 1996, p. 175). O comentário de Jonuz é lapidar: "A mulher rom nas sociedades industriais ocidentais europeias é sempre em primeira linha rom" (Jonuz, 1996, p. 175).
O cigano – e não há outro no discurso actual, portanto nada de sinti e roma reais, que desde logo têm de andar sempre em fuga de si próprios devido à perseguição – em caso nenhum pode “resmungar”, senão é-lhe posta de imediato uma mordaça. É verdade que as exigências de indemnização relativamente ao Porajmos foram reconhecidas – ainda que insuficientemente – e os sinti e roma são considerados minoria étnica na Alemanha, ao lado dos dinamarqueses, frísios e sórbios. Contudo, os sinti e roma reais, aliás ciganos, mais do que qualquer outra minoria, não podem no dia-a-dia apresentar-se como ciganos, mesmo que, entretanto, o estatuto da hibridez seja concedido de certo modo individualmente a alguns ciganos proeminentes empenhados em organizações de lóbi a favor dos sinti e roma, músicos conhecidos etc., na exacta medida em que são identificados de acordo com esse estatuto, portanto considerados “honestos”. Contrariamente ao conceito mais antigo de anti-semitismo, que significa hostilidade aos judeus, significativamente o conceito do anticiganismo só existe há cerca de 25 anos, tanto em alemão como em outras línguas, e muitos dos que se consideram de esquerda continuam sem saber o que significa.
E assim se relata que "viver na Alemanha como cigano significa desde há muitos séculos ser proscrito, perseguido e expulso. Ser cigano significa também ter de esconder muitas vezes a própria identidade nas relações com os não-ciganos (…), dissimulando até mesmo a fala. Tal foi a experiência amarga por que tiveram de passar sobretudo os ciganos que recentemente se afastaram do meio familiar e das profissões ambulantes tradicionais, quer tenha sido por escolha própria ou por terem sido obrigados a isso. O comerciante de Plankstatt, Romani Rose, por exemplo, que há vários anos abriu uma loja de tapetes orientais, teve o cuidado de esconder dos primeiros clientes que era cigano. ’Por causa dos preconceitos, teriam logo pensado que eu os enganava’, e refere o caso da sua senhoria, que durante muitos anos pensava que ele era italiano, ou do filho, que não devia contar aos colegas de escola que era sinto: ’Acham que alguém mais o convidaria para uma festa de anos?’" (Völklein, 1981, p. 128). Noutra entrevista expressou-se Rose mais recentemente sobre os estereótipos do cigano que teimam em se manter: "O problema torna-se evidente quando eu, a partir da minha experiência com jornalistas, reparo que muitos deles nem sequer querem conhecer um sinto que ocupa um posto de direcção numa grande empresa. Isso estraga-lhes a pintura" (Romani Rose, in: Erziehung und Wissenschaft [Educação e Ciência] 1, 2000, p. 35).
Os ciganos pertencem por princípio à camada social inferior e têm um baixo nível de instrução. E acabou-se! A sinta Maria Winter refere numa entrevista: "(…) experimente procurar um apartamento apresentando-se como cigano. É pior do que se for um negro. Vê-se um anúncio no jornal: apartamento para arrendar. O senhor vai lá, está tudo acordado com o senhorio, ele pensa que você é italiano ou espanhol, pelo tom de pele e pela cor do cabelo. Diz ele: você fala muito bem alemão. E você: pois se eu sou alemão. E ele responde: Ai sim, só pensei isso, porque o senhor tem um tom de pele assim um pouco mais escuro. Então você responde: este é o tom de pele dos ciganos. E lá se vai o apartamento" (Völklein, 1981, p. 194). A realizadora de cinema sinti, Melanie Spitta, resume a mesma experiência: "O que eu vejo nesta sociedade é sempre o mesmo: pressupõe-se que o cigano rouba, é mau, profundamente mau, e pode ser uma má influência. É preciso ter cuidado com ele" (Spitta/Schmidt-Hornstein, 1992, p. 178). Ao “admitir” que pertence ao grupo dos sinti ou roma, o indivíduo fica soterrado sob um monte de lixo de estereótipos, precisamente porque o cigano é considerado o homo sacer par excellence. Se já num contexto judaico se diz: “É melhor que ninguém saiba que és judeu”, o mesmo princípio se aplica, por maioria de razão, a uma ascendência cigana. Mesmo se aqui na Alemanha quase ninguém conhece um cigano: "Os sinti e roma são a minoria mais fortemente desprezada na Alemanha" (Margalit, 2001, p. 193). O mesmo acontece nos outros países europeus (Margalit, 2001, p. 191 seg.). Segundo uma sondagem do Instituto Emnid realizada em 1994, 68% dos alemães inquiridos não queriam ter um cigano como vizinho, sucedendo que os vizinhos judeus não eram desejados por 22% e os africanos por 37% dos inquiridos" (cf. Margalit, 2001, p. 192).
Se durante alguns anos, após o movimento de 68, se partiu do princípio que as atitudes intolerantes e mesquinhas se volatilizariam no decurso dos processos da pós-modernização e das tendências liberalizadoras concomitantes, agora com o avanço do “colapso da modernização” e a derrocada da Pós-Modernidade, torna-se claro que os estereótipos clássicos do anticiganismo, em vez de se dissolverem, consolidam-se de novo, tanto mais que a “queda da nova classe média” (Kurz, 2005) deu azo a modos de vida vistos tradicionalmente como ciganos, mesmo no seio da cultura dominante.
A meu ver, após o desmoronamento do bloco de Leste pode perfeitamente falar-se de uma nova qualidade do anticiganismo. O reforço deste sentimento e também as guerras civis e as “guerras de ordenamento mundial” (Robert Kurz) dilaceram os sinti e os roma nos conflitos étnicos a eles associados. Neste sentido escreve Romani Rose: "Quase 60 anos após os crimes contra a humanidade dos nacional-socialistas, os sinti e roma ainda continuam a ser vítimas de discriminação e de violência racista em muitos países europeus. Na sequência da guerra civil da Jugoslávia desenrolou-se uma tragédia à parte no Kosovo, onde os roma foram durante anos submetidos a um terror brutal pelos nacionalistas albaneses, que ia desde queimarem-lhes as casas até à tortura, violação e assassínio. Os abusos violentos multiplicam-se até hoje. Dezenas de milhares de roma foram expulsos da sua terra, sem que a comunidade internacional tenha posto termo a este acontecimento com eficácia. Uma vez que alguns dos mais importantes autores de crimes cometidos durante a guerra civil – a começar pelo ex-ditador Milosevic – foram entretanto acusados no Tribunal Internacional de Haia, também os crimes cometidos contra os roma no Kosovo têm de ser consequentemente perseguidos. A despeito destes acontecimentos terríveis, os responsáveis políticos dos países da Europa do Sul e de Leste continuam a não ter uma consciência adequada dos perigos do anticiganismo. Em consequência da perseguição, muitos membros da nossa etnia têm de viver em guetos, em condições indignas de um ser humano. São vítimas indefesas de agressões racistas que podem tomar as dimensões de pogrom. Muito frequentemente a discriminação dos sinti e roma parte das instituições estatais – por exemplo da polícia e da justiça" (Rose, 2003, p. 10 seg.).
Em consequência dos movimentos migratórios, também aqui na Alemanha as ideias anticiganistas são activadas na vida quotidiana, por exemplo, na imputação aos ciganos da pequena criminalidade, do primitivismo, da mendicidade etc. (vd. Winckel, 2002). Por muito que se compreenda que Rose insista nos direitos fundamentais, precisamente pela circunstância de os ciganos como homines sacri nunca os terem tido, e mesmo se no plano pragmático é necessário o recurso a meios jurídicos para evidenciar o escândalo associado à gritante injustiça de que os sinti e roma são alvo, não menos importante é que se deixe claro que sob as condições não ultrapassadas da Modernidade se ergue uma barreira invisível, uma vez que “a lei” sempre precisou estruturalmente da ausência de lei no exterior de si própria: logo, do cigano. É o que decorre de toda a história moderna até à Pós-Modernidade, como o próprio Romani Rose realça. O que é um facto é que as discriminações partem também hoje – como ele mesmo escreve – novamente da polícia e da justiça. Exactamente por esse motivo vigora um tabu da hibridez em relação aos ciganos, talvez sem paralelo com qualquer outro grupo étnico. As rupturas identitárias não podem ser aqui tidas em conta, talvez justamente porque os ciganos, no seu todo, não fazem parte propriamente dos grupos mais abastados, e independentemente disso são identificados como sinónimo da pura e simples associalidade, da qual precisamente hoje, em tempos de crise, se volta a ter muito medo. O cigano, mesmo na era da globalização, em que normalmente se requer a existência de “identidades híbridas”, tem de ser apenas “um” – ou é cigano ou tem de se renegar totalmente: não existe um “meio-termo”. É como se os sinti e os roma estivessem condenados a uma “existência de roma errante” para toda a eternidade.
9. O anticiganismo estrutural e a Pós-Modernidade em decadência
Nos tempos que correm de certo modo a ameaça de afundamento social atinge todos, até mesmo e justamente a célebre classe média. Quase se poderia falar de uma ciganização das relações sociais, não fosse a expressão tão banal e não tivesse o discurso sido inflacionado com termos como beirutização, balcanização etc. Contudo, a palavra ciganização aponta para uma dimensão teórico-histórica profunda, para as raízes efectivas do actual estado de coisas no interior da história e da sociedade capitalista moderna. Ainda que este conceito apenas de forma mediada possa ter alguma coisa a ver com os sinti e roma reais, ele faz referência aos temores primordiais da subjectividade burguesa. Como já foi mencionado, Kurz fala hoje de um “estado de excepção coagulado”: "Na porta de saída da ‘sociedade do trabalho’ manifestam-se os mesmos processos de inclusão e exclusão que estavam presentes à entrada, simplesmente no sentido oposto (…) A soberania proto-moderna inventou novas formas de delinquência, meteu delinquentes em massa nas suas casas de horror, para materializar o trabalho abstracto. A soberania pós-moderna na sua agonia inventa igualmente novas formas de delinquência, campos de concentração, administração de massas e indústria penal, mas agora para a massa dos supérfluos, em cuja existência o trabalho abstracto se desmaterializa. A soberania recupera a tarefa da exclusão inclusiva da economia empresarial apenas para a fazer desaparecer num buraco negro. Os projectos de baixos salários e de trabalho coercivo a favor da comunidade promovidos pelo Estado estão condenados ao fracasso, uma vez que não podem constituir nenhuma base autónoma de acumulação, representando apenas um estádio de transição para novas camadas de párias" (Kurz, 2003, p. 356 sg.). Isso vem acompanhado de uma economia de saque e de relações anómicas de violência – até agora sobretudo na periferia; enquanto nos centros ocidentais, que ainda se encontram numa situação relativamente abastada, os “supérfluos”, tal como os “ilegais”, são progressivamente detidos em campos de internamento e locais semelhantes (cf. Kurz, 2003, p. 357).
Nota-se uma certa generalização do estereótipo do cigano, não só na denúncia de abusos dos beneficiários de Hartz-IV e na vigilância ubíqua – pretensamente para a defesa contra o terrorismo –, como também no uso de documentos com dados biométricos, incluindo impressões digitais, para permitir uma identificação mais rápida. Potencialmente, qualquer um pode ir parar aos bairros miseráveis como pedinte ou vagabundo e tornar-se “o último dos últimos”. Está em curso uma “boemização coerciva” (Diedrich Dietrichsen), mas acompanhada do dever de trabalhos forçados. “O abanão que sacuda a Alemanha” – do célebre discurso de Roman Herzog – significa para muitos a exigência de mobilidade reforçada com exposição simultânea ao perigo de desclassificação social. O fundraising, a nova forma pós-moderna de pedir, de andar de porta em porta, há já muitos anos que está por toda a parte como modo de captação de recursos.
No contexto da nova migração de massas, os refugiados que necessitam de “apoio” já estão per se na clássica posição do cigano. Também a problemática da falta de documentos dos sans papiers foi antecipada na política anticiganística: "O método de exclusão dos roma para a ilegalidade indocumentada parece constituir uma marca estrutural central do anticiganismo" (Haupt, 2005, p. 175). As deportações de ciganos foram moeda corrente no processo da Modernidade. É necessário recordar a propósito que a “visita de aliens” na era pós-colonial é um fenómeno bastante recente na Europa Central e Ocidental (na sequência da sua própria história colonial!). Anteriormente foram os ciganos que desempenharam esse papel com maior destaque, além dos judeus – os orientais, pois os assimilados eram considerados como perigosos super-homens civilizados. O estereótipo do cigano também espreita na imagem mediática dos gangues vindos da Europa de Leste, que utilizam crianças para a mendicidade; já se sabe que os ciganos sempre educaram os filhos para roubar, mesmo que neste caso eles não sejam explicitamente referidos. Além disso, não se pode esquecer os bandos do Leste de traficantes de automóveis. Quem será e com que mentalidade, que arromba, rouba, pinta por cima a correr e com matrículas falsas passa a fronteira com os nossos carros tão caros, que tanto nos custaram a ganhar, grandes máquinas como Mercedes, Audi ou BMW?
Tal como se pode falar de um “anti-semitismo estrutural”, que se revela decisivo no ataque aos mercados financeiros e a uma conspiração mundial imaginada, mesmo que não se chegue a falar de judeus, também se teria de falar de um “anticiganismo estrutural” quando, perante o medo da própria queda, da desclassificação, do resvalar para a associalidade e para a criminalidade, está implícito o efeito do estereótipo anticigano, mesmo que não se fale em ciganos. A alternância entre discriminação social e exclusão racista torna aqui particularmente apropriado o estereótipo do cigano. É o que mostram também os resultados de sondagens recentes. Como já foi referido, em 1994 eram 68% os alemães não queriam ter um cigano por vizinho. Idêntica percentagem era a dos que se mostravam renitentes à proximidade de alcoólicos, dependentes de drogas e – o que é interessante – radicais de esquerda: referindo-se presumivelmente menos aos bem-comportados membros do partido comunista alemão (KPD) do que aos “desordeiros” anarquistas.
Tais resultados mostram que no medo perante o associal, perante a própria associalidade potencial, no medo de cair para fora e “não conseguir mais safar-se” no quadro de uma subjectividade burguesa decente, o anticiganismo estrutural é um mecanismo de defesa irracional, isto é, que o medo se converte em projecção. Este facto, contudo, é difícil de reconhecer, pois de uma forma que não é inocente o anticiganismo não se chega a constituir como tema, ou quando muito é problematizado de forma marginal, o que se torna revelador – já que neste caso o sujeito da Modernidade, ao reconhecer-se com a sua angústia-de-ser-homo-sacer quando se olha ao espelho, desvia logo o olhar. Por outro lado, ele soube desde sempre que “o cigano é mau” e nos inquéritos expressa a este “saber" sem vergonha, sendo os dados relativamente constantes desde os anos 60 (vd. Margalit, 2001, p. 187 sg.).
Hoje não somos todos simplesmente potenciais homines sacri, como afirma Agamben. Pelo contrário, tem de se partir do cigano como homo sacer par excellence, como ficou demonstrado. Na verdade o cigano assoma no discurso de qualquer um, mas não é qualquer um que é cigano. O cigano real é sujeito a perseguições muito mais duras que os desclassificados da cultura dominante – situação que se repete desde há séculos. Não existe o “roma errante”, contudo está estabelecido um anticiganismo desde o início da Idade Moderna, que se encontra à disposição para ser invocado em nova época de crise.
Ao mesmo tempo, nestas projecções imaginárias o grilo que toca rabeca e é alérgico ao trabalho, correspondente ao estereótipo do cigano, pode a qualquer momento transformar-se no gafanhoto devorador que, feito praga, cai sobre a terra – alemã – e a devora até nada restar, o que equivaleria então ao cliché anti-semita no outro extremo do espectro de discriminação ideológica. No entanto, com a progressão da crise e depois do falhanço da “arte de empobrecer com estilo” (Alexander von Schönburg), a identificação romântica com o cigano sempre miserável, sob a capa da alegre pobreza boémia pós-moderna, também em breve poderia ganhar um novo significado. A transformação do yuppie teutónico, jogador da bolsa dos anos 90 – que se aproxima do estereótipo do judeu – no desclassificado que celebra jovialmente a sua pobreza – correspondente ao estereótipo do cigano – pode constituir o reverso da medalha da perseguição e da vontade de eliminação anticiganista. No contexto da lei Hartz-IV, Robert Leicht já falou dos “vanguardistas da carência”, quando se referia à “pobreza dos artistas independentes”: "Todos nós sabemos muito pouco da vida dos artistas. Devíamos observá-los mais de perto: os artistas são a vanguarda no trato com a escassez e a insegurança. Teremos de aprender com eles” (Die Zeit, nº 27, 2006, p. 39). "Isto será ainda a boémia ou já é a classe inferior?” Pergunta, ainda que com intenção crítica, Britta, a banda de culto do novo precariado da classe média (Der Spiegel, nº 31, 2006, p 52). E, num desvio da terminologia de Marx, já se fala de uma “lumpenburguesia” (Claudio Magris). Porém isso, nem de perto nem de longe faz de nós ciganos, cheira mais a uma racionalização, também ela, apesar de tudo, situada na linha do anticiganismo estrutural, segundo o qual a vida de cigano é incrivelmente divertida, tudo muito em sintonia com um livro de inspiração rétro publicado por Holm Friebe e Sascha Lobo com o título, Wir nennen es Arbeit. Die digitale Bohème oder das Leben nach der Festanstellung [Chamamos-lhe trabalho. A boémia digital ou a vida para além do emprego fixo] (2006), em que mais uma vez são invocadas as oportunidades de ascensão da nova classe média após o colapso da new economy.
10. Resumo: A dissociação-valor, a estrutura específica do anticiganismo, outros racismos e a esquerda crítica do trabalho na actualidade.
No fundamental, o capitalismo funda-se no medo de ser “declarado banido”, de ser apenas “vida nua” – o que sucede desde o início da sua existência. As instituições e os agentes do capitalismo, bem como os próprios indivíduos, fazem tudo sob a forma de “trabalho de disciplinamento” para evitar esse perigo. Em nenhuma circunstância alguém desejaria ser como o cigano, o fantasma, o pesadelo puro e simples da subjectividade capitalista burguesa. É necessário distanciar-se do cigano no fundamental, pois nele conjugam-se a mais profunda indecência, a delinquência, a associalidade, e o ser uma raça estrangeira ociosa e hedonista, características que uma pessoa tem de renegar, se não quiser pôr em perigo o seu modo de vida e a sua integração na sociedade. O estereótipo do cigano parece ser apropriado como nenhum outro estereótipo racista para nos esclarecer a respeito da subjectividade capitalista burguesa. O sujeito burguês vê nele a um tempo, como o reflexo num espelho, os seus medos primordiais e os próprios anseios hedonistas. É precisamente esta combinação que mais o horroriza. Se não a renega, vai-se abaixo, torna-se outlaw, vive não só fora da lei, mas fora da sociabilidade normalizada, fica “do lado de fora”, desclassificado, associal, o “último dos últimos” na sociedade do trabalho – não apenas objectivamente, mas também subjectivamente o indivíduo deixa de se conseguir “safar”. Por isso, o capitalismo dependeu desde sempre da existência de camadas sociais inferiores, por muito residuais que estas possam ter sido no auge do Estado social.
Esta associação já se apresentara de forma implícita na “filosofia existencial” de Heidegger. O sucesso de Heidegger deriva da viragem ontológica, afirmativa, que deu a esta aterradora verificação. No princípio capitalista da concorrência está desde sempre contida a aniquilação – dos outros ou de mim mesmo –, sobretudo quando se manifesta de novo o fundamento anómico da modernidade. O filosofar de Heidegger está profundamente impregnado desta constelação fundamental, que contudo nunca pode ser tratada pelo nome, sendo a cada passo convertida num a-histórico “ser para a morte”. O que é negativamente histórico é elevado continuamente à transcendência: "Ser-aí quer dizer ser imerso no nada. Imergindo no nada, o ser-aí está sempre já para além da totalidade do ente. A este estar para além do ente chamamos transcendência. Se o ser-aí não transcendesse no fundo da sua essência, isto é, neste caso, se não imergisse de antemão no nada, não poderia relacionar-se com o ente, nem portanto consigo mesmo. Sem a abertura primordial do nada não existe ser próprio nem liberdade" (Heidegger, 1998/1929, p. 38). Aqui está um pensamento que não foi capaz de se manter no seu próprio domínio, que se revelou compatível com o nacional-socialismo e o seu pensamento racista, não como “erro” superficial, mas a partir do próprio âmago.
A este respeito é necessário desligar a significação do termo homo sacer da restrição à filosofia do direito que lhe deu Agamben e deduzir também o seu significado económico, cultural, simbólico e sociopsicológico no contexto das relações capitalistas. Assim considerado, “o impulso anticiganístico, que no plano político-jurídico persiste na exclusão dos sinti e roma da cidadania, parece repetir o conhecido padrão de uma auto-perseguição perpetrada na pessoa do outro" (Maciejewski, 1996, p. 17). A resistência a “olhar para lá” deve ser muito grande – o que também explica a generalizada não-tematização do anticiganismo. O associal da “cultura dominante” distingue-se fundamentalmente do cigano, porque em princípio o primeiro deve ter a possibilidade de sair da situação em que se encontra e voltar a “pertencer ao grupo”; pelo menos, era assim na fase do fordismo do pós-guerra, com a relativa segurança proporcionada pelo Estado Social. Ainda assim, o medo de se tornar cigano é fundamental para a subjectividade burguesa. Hoje, o sujeito burguês, no seu voo picado, não consegue definitivamente esquivar-se-lhe. Este medo é talvez maior que o medo de Bin Laden e dos Estados Unidos juntos, cada um dos quais é apresentado nos média como o perigo número, um conforme o ponto de vista. Este medo é também motivado pela circunstância de, no caso do estereótipo do cigano, a discriminação de natureza social e a racista alternarem desde o início da Modernidade, como em nenhuma outra variante de racismo, num processo de conversão recíproca. No caso do cigano – é legítimo supor que é assim – não se trata somente de uma luta contra o próprio passado, como sucedeu durante um longo período no processo da Modernização, mas contra o que aí vem, quando na fase do “colapso da modernização” “o estado de excepção se torna regra”. Estará o gene da associalidade mais difundido do que se pensa? Será que houve muito mais malabaristas e ocupações afins na Idade Média do que se tem pensado até hoje? Serei eu porventura um descendente deles? Tais perguntas impõem-se agora também à classe média em pauperização, que se considerava até este momento indispensável para o bom funcionamento do capitalismo.
Nas relações patriarcais capitalistas, a dissociação-valor é o princípio fundamental de socialização, e não apenas o “valor”. A dissociação é um pressuposto para a formação do trabalho abstracto, tanto como este, inversamente, é também seu pressuposto. Existe uma relação dialéctica entre ambos, que se foi transformando no decurso de um processo histórico. Na Modernidade “a mulher” é considerada um “ser natural domesticado”. Pelo contrário, enquanto banido o cigano é livre como um pássaro (vogelfrei); encontra-se no exterior do mundo do trabalho e da lei, e precisamente nesta exclusão ele está dialecticamente incluído na forma jurídica, como homo sacer par excellence – sem dúvida de uma forma diferente da concepção burguesa da relação entre os sexos. Se a dissociação-valor como princípio fundamental se manifesta, por exemplo, no facto de se imaginar a cigana como prostituta, vagabunda e (não em último lugar) ladra, representando o pólo oposto à dona de casa virtuosa e mãe da Modernidade, esta circunstância prende-se com a existência como homo sacer, que representa a “lei” autêntica e fundamental da socialização da dissociação-valor na forma da ausência da lei. Importante é também que a forma feminina, portanto a imagem da cigana, não por acaso representa o cigano enquanto tal, circunstância que deve lembrar que as modernas ideias sobre os papéis dos sexos também contribuíram para a constituição das relações ciganas aparentemente autóctones.
Poder-se-ia assim afirmar que a dissociação-valor, enquanto princípio fundamental, tem por base o entendimento do cigano como homo sacer par excellence e vice-versa. Esta condição de homo sacer é a especificidade e o conteúdo particular do anticiganismo, que deve ser tido em conta. Nem o sexo nem a “raça”, neste sentido específico, podem ser hipostasiados e lançado um contra o outro; e o mesmo se deve afirmar também a respeito da dissociação-valor e do princípio do homo sacer, não se referindo este apenas ao termo criado por Agamben como metáfora histórica, mas à constelação por ele designada na constituição da Modernidade.
O anti-semitismo e outros racismos têm conteúdos diferentes, que não devem ser ignorados no seu significado ideológico próprio. Aos judeus, que também são considerados avessos ao trabalho e parasitas na projecção anti-semita, é imputado o poder, o domínio mundial, e os atributos de ultracivilizado e de super-homem negativo. Para a teoria da dissociação-valor não é admissível um procedimento de análise destes fenómenos baseado na lógica da identidade. Enquanto no processo moderno de conhecimento androcêntrico-universalista, o contingente, o individual, o particular ficam na penumbra, por causa da dissociação do feminino, a teoria da dissociação-valor é obrigada a ter em conta os diferentes conteúdos de cada projecção racista e ideológica, sem perder de vista o contexto da totalidade histórico-social.
Por conseguinte, este procedimento sem recurso à lógica da identidade não contradiz de modo nenhum o conceito de relação de dissociação-valor como princípio fundamental; revela-se, em todo o caso, que uma crítica adequada e suficiente do patriarcado moderno produtor de mercadorias, em conformidade com os seus pressupostos, e contrariamente a uma simples crítica da “forma vazia indistinta” – circunstância que também se tornou clara no caso de Agamben – tem de ter a capacidade de delimitar e reduzir o seu alcance e de pensar contra si própria, quando deixa incondicionalmente ao objecto particular do seu pensar o respectivo peso específico. Este é o seu mais intrínseco pressuposto: para se poder afirmar como crítica do princípio fundamental do capitalismo, ela tem de se negar como entendimento no sentido dum conceito universalista regido pela lógica da identidade (cf. sobre isto detalhadamente Scholz 2005a).
A este respeito é necessário também criticar a ideia de que as mulheres, os negros, os selvagens e os ciganos signifiquem do mesmo modo “natureza” e “sensualidade”, representando de igual maneira o reverso do “valor”. Ao contrário do negro, também considerado “sensual”, mas que se deixa escravizar, e do nativo das ilhas dos mares do Sul, também conotado com a “sensualidade”, o qual, inocente, ingénuo e de certo modo impoluto, deve ser a imagem do paraíso, o cigano representa o sub-humano construído de modo racista no seio da própria sociedade, associado a atributos como a associalidade, a criminalidade etc. O negro foi construído como sub-humano no contexto de processos de colonização: ele representa em menor grau a associalidade, por isso faz menos medo aos membros da cultura dominante, é considerado em menor grau como parasita ou criminoso, não é ladrão “por natureza”, ou dizendo de outra maneira, isso não faz parte da sua “cultura”. Não é ele que abusa de “nós” e “nos” engana, “nós” é que ocupámos e pilhámos outros continentes, alegadamente para seu mais autêntico proveito civilizatório, ainda que hoje afinal ele acabe por “nos” ameaçar como “requerente de asilo” ou “refugiado económico”.
Nada disto se altera por determinadas imputações racistas recaírem tanto sobre os negros como sobre os ciganos, nem pela circunstância de ambos serem considerados pobres de espírito, preguiçosos e dominados pelo instinto. É por tudo isso que desde o começo da Idade Moderna o cigano sofre na pele o seu papel de homo sacer par excellence no interior da sociedade “avançada” da Modernidade, contrariamente ao negro – e também ao índio, do qual se diz, à semelhança do cigano, que não se deixa escravizar, mas a quem não são feitas as imputações racistas primárias de associalidade e de comportamento criminoso. O cigano pertence todo ele à parte ocidental da Humanidade sendo o outro, a um tempo conhecido e proscrito. Donde é preciso recusar que, quando se começa a falar de anticiganismo, venha logo a terreiro o negro pelo menos tão reprimido como o cigano, como se se tratasse de estabelecer uma hierarquia dos diferentes racismos, que poderia ser baralhada pela referência à variante de racismo insuficientemente representada que é o anticiganismo.
Ao contrário dos constructos do negro, do selvagem ou do índio, o cigano desde o início da Idade Moderna entrou em simbiose com a cultura dominante – por exemplo na música – por força das suas funções económicas e culturais, à semelhança dos judeus, mas mais uma vez de forma diferente. Aqui, a ligação apriorística com a associalidade distingue o papel do cigano também da noção do sub-humano eslavo no Nacional-Socialismo, que nessa qualidade estava escolhido para fazer trabalho escravo para o “povo alemão”. O Holocausto e o Porajmos distinguem-se assim de outros genocídios, por exemplo, os do contexto colonialista, uma vez que naqueles casos não se trata de interesses nem de cálculo económico, mas da afirmação da identidade no seio da “cultura dominante”, no contexto geral da constituição do sujeito capitalista burguês. O anti-semitismo e o anticiganismo devem assim ser vistos numa conexão complementar. De certa maneira, os judeus são construídos como os ciganos do estrato social superior e os ciganos como os judeus do estrato social inferior, donde decorre o seu papel de homo sacer por excelência.
A função de homo sacer do cigano constitui um tabu de hibridez, que talvez não exista para nenhuma outra minoria, e que nem sequer as exigências de flexibilidade coerciva na era da globalização quebraram. Pelo contrário, quanto mais crescem a anomia e o medo do deslizamento social em massa, na senda do “colapso da modernização”, tanto mais o anticiganismo se afirma indestrutível e é retirada aos indivíduos concretos a possibilidade de se furtarem à redução ao cliché de cigano. Ao anticiganismo aberto contrapõe-se o já referido “anticiganismo estrutural” – uma denúncia difusa da tendência latente para a criminalidade, o desvio moral e a “parasitagem” social – no qual não há a designação expressa de cigano.
Por outro lado, nos meios de esquerda existem hoje orientações e esforços que poderiam associar-se ao estereótipo corrente de um modo (auto-)romantizador, sucedendo que também neste caso os ciganos não têm de ser expressamente mencionados. Apontam nesse sentido certas frases feitas, degeneradas em palavras de ordem como “ocupa já”, certos grupos que vivem em acampamentos de caravanas, a “descoberta da preguiça” (Corinne Meier), bem como uma “crítica do trabalho” superficial, não mediada, que passou a ter alguma difusão. Não admiraria se o velho romantismo cigano e o próprio cigano – pensado sempre já como “resistente”recebessem novas honrarias, como resultado da superação falhada da própria impotência. Há muito que existe o kitsch da crítica do valor, que pretende descobrir no passado ou no presente momentos imediatos de uma sociedade alternativa – no princípio do copyleft, no cuidar da avó ou seja lá no que for (vd. crítica em Scholz, 2005b). Seria porventura aqui o cigano ainda não descoberto o pasto disponível para os apóstolos da afectação da nova classe média em desabamento, viciados no imediatismo, que anseiam por uma “utopia concreta” no aqui e agora? Para a tendência a descobrir “resistências” por todo o lado no ser-assim (cf. por exemplo Lohoff, 2006), de uma forma nada despicienda na própria “existência quotidiana” – que deve representar, no sujeito relacionado com a identidade, um lado contraditoriamente resistente, de certa maneira de costas voltadas para ele – a imagem do cigano poderia revelar-se, de novo, como "o fio condutor esotérico para o indivíduo desenraizado encontrar verdade e afeição, num mundo para ele tornado estranho pelo comércio, pelo contrato e pelo controlo", como polemiza Niemann contra a mais recente ciganologia (Niemann, 2000, p. 39).
O Open Marxism recentemente tornado moda, que forrado com a teoria da acção pretende decifrar o “valor” como forma de praxis “aberta”, e que assim se limita a hipostasiar a acção perante a estrutura, bem parece predestinado a desempenhar esse papel. Ingo Elbe faz uma critica nesse sentido à concepção de John Holloway (Holloway, 2002), no seu ensaio Holloways Open Marxism, com o acertado título "Notas sobre a análise da forma como teoria da acção e romantismo revolucionário": "Para Holloway, tal como para o Operaísmo, qualquer roubo banal, balda ao emprego, atraso na chegada ao trabalho, qualquer protesto violento contra o poder de Estado, são considerados como expressão inconsciente da resistência de um princípio inocente e humano, da ‘calorosa rede interactiva do fazer’ contra a sua fragmentação em ‘inúmeros átomos frios da existência’" (Elbe, 2006, p. 165 sg.). Elbe fala neste contexto, com razão, duma "inexorável necessidade da literatura de bons sentimentos na esquerda" (Elbe, 2006, p. 170). Mesmo que Holloway, notoriamente, não tenha aqui em vista os marginalizados, de modo nenhum excluiu que os sinti e roma reais mais uma vez sejam convertidos em ciganos, enquanto ícones da resistência ao serviço de um romantismo de esquerda; o que significa que sejam convertidos de homo sacer par excellence, como “desvio padrão” (Reimer Gronemeyer) na história capitalista, em oponentes par excellence, de um certo modo, por via da sua “existência”.
Contra isto, uma crítica da dissociação-valor e do trabalho, que conte com mediações, tem de pôr em relevo o anticiganismo como variante específica do racismo, torná-lo visível como uma forma central da barbárie da Modernidade civilizada; ela tem de mostrar as crueldades que foram perpetradas contra os sinti e roma, rigorosamente para além de toda a romantização ou idealização – que já são sempre a outra face da fúria eliminatória relativamente aos ciganos – em vez de os associar, ainda que na forma meramente imaginária, a outros santos utópicos, e de os instrumentalizar no interesse da “cultura dominante”, tudo isto sem esquecer que uma tal crítica romantizadora do trabalho prestaria sem querer um mau serviço aos sinti e roma reais, ao afirmar os respectivos estereótipos. Os sinti e roma, ainda que descriminados, de modo nenhum são per se oponentes ao capitalismo, mas estão profundamente marcados por ele, tal como todos os outros; a sua posição social está condicionada precisamente pela sociedade capitalista do trabalho, na medida em que se esta, por um lado, os separa de si, colocando-os nos seus antípodas, eles constituem, por outro lado, o pressuposto desta socialização negativa, como matriz do homo sacer par excellence.
O viver em caravanas e fenómenos desse género, que crescerão mais ainda no futuro devido à tendência para o aumento massivo da miséria, são nolens volens parte integrante de uma estratégia de sobrevivência na crise; não são nenhuma luz ao fundo do túnel a caminho de outra sociedade, o que só será possível através de complexas mediações e no âmbito de uma transformação social mundial. Apenas no espaço de uma tal perspectiva mais aperfeiçoada, pode o estereótipo do cigano chegar ao seu fim, de modo que ele possa simplesmente ser, mas não tenha que ser “assim”; primeiramente, porém, é necessário trazer à luz do dia este estereótipo, como secreto e “esquecido” fundamento-homo-sacer da Modernidade patriarcal. Esse é o pressuposto para que qualquer indivíduo possa existir enquanto ser humano real e autêntico, e que o cigano não tenha de tornar-se sedentário nem tenha de circular, pois de contrário é posto no campo de concentração, é coberto com leis especiais, vê-se num permanente estado de excepção e finalmente é abatido e aniquilado.
 
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Original Homo Sacer und „Die Zigeuner". Antiziganismus – Überlegungen zu einer wesentlichen und deshalb „vergessenen" Variante des modernen Rassismus, in revista EXIT! Krise und Kritik der Warengesellschaft, 3/2006 [EXIT! Crise e Crítica da Sociedade da Mercadoria, 4/2007], ISBN 3-89502-230-2, 264 p., 13 euro, Editora Horlemann Verlag, Grüner Weg 11, 53572 Unkel, Deutschland, Tel +49 (0) 22 24 - 55 89, Fax +49 (0) 22 24 - 54 29, http://www.horlemann-verlag.de/
Tradução de Boaventura Antunes, Lumir Nahodil e Virgínia Freitas, 12/2007